E m um passado não tão distante, empresas de contabilidade acumulavam montanhas de papéis. Eram documentos, planilhas, notas fiscais, movimentação de pessoal, balanços, fluxo de caixa e demonstrativos. Mal dava para ver os funcionários que trabalhavam na organização de todo esse material. Os tempos mudaram. A papelada sumiu das bancadas. Tudo – ou quase tudo – já é eletrônico. E, neste exato momento, os escritórios contábeis passam por mais uma transformação digital. Desta vez mais agressiva. Se já não havia papéis, agora não existem mais mesas, nem mesmo os escritórios. Empresários e contadores não se veem mais. Tudo – ou quase tudo — agora é virtual. As empresas de contabilidade on-line têm mudado a forma de fazer a gestão contábil no Brasil.

A mudança acompanha a transformação digital pela qual passam as empresas dos mais diversos ramos de atividade. É uma tendência de mercado, para atender principalmente às micros e pequenas empresas. Os maiores atrativos dos contadores on-line são o preço baixo e a rapidez nas respostas. Por outro lado, ainda é um desafio atender casos mais complexos e companhias de grande porte. Por isso, o campo a ser explorado pelos cerca de 60 mil escritórios de contabilidade registrados no País, seja tradicional ou digital, é vasto. Segundo dados atuais da Receita Federal, o Brasil possui 10 milhões de Microempreendedores Individuais (MEIs) cadastrados, 5,7 milhões de Microempresas (ME), 800 mil Empresas de Pequeno Porte (EPPs) e 2,5 milhões de companhias de outros formatos. No total, são 10 milhões de empresas no Simples Nacional. Apenas no ano passado foram abertos 3,2 milhões de CNPJs. Exceto os MEIs, a maioria precisa de um contador formal para responder por sua contabilidade aos órgãos do governo.

Fundado em 2013, o Contabilizei é pioneiro no sistema de contabilidade 100% on-line. Faz uso da tecnologia para automatizar processos e rotinas na regularização das contas das empresas. Oferece planos mensais a partir de R$ 89, enquanto prestadoras de serviços, por exemplo, podem pagar mensalidades entre R$ 300 e R$ 600 a escritórios de contabilidade tradicionais. Os custos com contabilidade para o comércio podem passar de R$ 1 mil. “É um salário-mínimo que o comerciante está pagando para fazer a contabilidade. Com esse valor, poderia contratar um funcionário para o estabelecimento”, afirma Guilherme Soares, vice-presidente da Contabilizei.

Dizendo-se o maior escritório de contabilidade do Brasil, ele nasceu com o objetivo de tornar a atividade mais acessível e viabilizar o sucesso do empreendedor brasileiro. No início, trabalhavam apenas os três sócios. Sete anos depois, são 370 colaboradores ativos, 80 deles diretamente ligados à área contábil e 120 profissionais de tecnologia. As sedes estão em Curitiba e São Paulo. São 10 mil clientes espalhados por mais de 50 cidades do País que confiam na solução que, segundo Soares, oferece economia, praticidade e segurança.

O número de colaboradores deixa claro que a mão humana ainda é fundamental na atividade. “Não é tudo feito por robô”, diz Soares.“Fazemos consultoria pessoal, com contadores de verdade, que atendem nossos clientes por chat, mensagens e telefone”. Segundo ele, o diferencial é o acesso a esses profisionais, muito fácil e prático. E as respostas são rápidas. “Em 15 minutos o cliente resolve sua burocracia contábil do mês todo”, garante. Com o tempo que sobra, o empresário pode se focar na gestão e não em burocracia. O modelo de negócio vem dando certo e tem despertado o interesse de investidores. No ano passado, a Contabilizei recebeu aporte de R$ 75 milhões da Point72 Ventures, fundo de capital de risco americano.

INOVAÇÃO Outra plataforma on-line que vem se destacando tem nome parecido: Contabilizeaqui. Ela não começou digital. Transformou-se. Foi criada em 1992 em Capivari (SP), com prestação de serviços contábeis, tributários, trabalhistas e societários. Em 2017, Leandro Batagin, sócio e idealizador do novo conceito, tirou férias da empresa de auditoria em que trabalhava, onde todos os processos eram digitais. Mergulhou no escritório de contabilidade de seu pai para entender o negócio. O mapeamento resultou na oferta dos serviços on-line. Hoje, 20 profissionais trabalham diretamente nessa vertente da Contabilizeaqui, atendendo 1 mil clientes. “Batemos recorde de novos clientes em janeiro. Nossa projeção é dobrar de tamanho em 2020”, afirma Batagin. Para ele, o que faz diferença é a empresa poder aliar a expertise contábil da família com a tecnologia que acelera os processos. “Existem algumas plataformas digitais surgindo, que usam a tecnologia para atender as empresas, mas não têm conhecimento do ambiente da contabilidade”, diz. Para alguns de seus clientes, as soluções digitais geram economia de 90% nos custos de contabilidade e serviços financeiros.

Na Contabilizeaqui os pacotes on-line são oferecidos a partir de R$ 48 por mês. A abertura de empresas é gratuita, com cobrança de taxas governamentais que giram em torno de R$ 100 a R$ 200, em média. “Incentivamos o empreendedorismo no Brasil, oferecendo contabilidade digital econômica”, diz Batagin, que nos próximos meses irá lançar novos produtos e serviços inéditos em sua plataforma. “Sempre fortalecendo os contadores”, segundo ele afirma.

VISÃO Leandro Batagin estudou a empresa de contabilidade da família
e implementou processos digitais. (Crédito:Divulgação)

A tecnologia embutida nos processos alimenta um debate no mercado de contabilidade. Afinal, a transformação digital, com alguns processos automatizados, tem tirado o lugar dos contadores no mercado de trabalho? A resposta aponta para uma nova realidade ao qual toda a cadeia tem se adaptado. Os escritórios digitais contram contadores. Para quem empreende com essas plataformas, a diminuição dos custos para as empresas contribui para a geração de empregos nos mais diversos setores, incluindo aí o contábil.

Em um artigo recente, embora com o já conhecido título “Ponte para o Futuro”, o presidente do Conselho Federal de Contabilidade, Zulmir Breda, destaca que a entidade tem ciência de que as repercussões da atual transformação tecnológica global podem ser ainda mais extensas do que as da Revolução Industrial, que promoveu mudanças nos sistemas de produção no século 18. “Mas, ao contrário das previsões alarmistas, divulgadas apressadamente, dando como certo um futuro distópico de desemprego maciço, a profissão contábil não está em via de extinção.”

“Vemos o crescimento de grandes grupos com capacidade de atendimento digital. Competir sozinho não seria viável.” Rodrigo Ribeiro, Sócio da Atai Group. (Crédito:Divulgação)

Se há risco para uma parte dos trabalhadores, para outros a era digital traz chances de evolução. Além dos avanços tecnológicos, há outro movimento importante em andamento. Escritórios estão unindo forças para ganhar corpo e enfrentar os desafios de um mercado cada vez mais exigente e voraz. A Atai Group é um exemplo. A empresa acaba de nascer, a partir da fusão de cinco escritórios de contabilidade: SKZ, CLM, Hemera, NK e Assescon, todos com trajetórias de 20 a 40 anos de atuação. “Vimos nessa união a oportunidade de oferecer serviços diferenciados aos nossos clientes”, afirma Marcio Tamura, um dos sócios da nova empresa, ao citar como produtos a gestão de negócios, consultoria para análises dos números da empresa, avaliação dos valores pagos em benefícios para colaboradores, análise de tarifas de aplicações financeiras, recuperação de crédito e estruturação de estoques e ativos imobilizados. “Vemos um crescimento de grandes grupos, com capacidade de atendimento digital. Competir sozinho não seria viável”, completa Rodrigo Ribeiro, outro sócio.

NICHO ESPECÍFICO A avaliação é de que os escritórios on-line formam uma tendência de mercado, mas para um nicho específico, de atendimento a micros e pequenas empresas, que demandam pouco serviço. “Agora juntos, nós, que também temos ferramentas digitais em nossos processos, ficamos com uma marca mais forte e podemos atender melhor, inclusive empresas de outros portes”, afirma Ribeiro, ao projetar a atração de mais clientes para somar aos atuais 2 mil CNPJs atendidos pela Atai Group. Se fizer as contas na ponta do lápis ou num software avançado, o resultado será o mesmo: a contabilidade brasileira passa por um momento de transformação e de crescimento.