Ao protocolar no Senado um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro sabe que vai perder. Vai tomar uma surra. A ofensiva não tem base jurídica, não tem alicerce político e não tem estrutura moral. É ele quem acumula mais de cem pedidos de impeachment na Câmara, vergonhosamente engavetados pelo deputado do centrão Arthur Lira, bolsonarista de carteirinha que ocupa a presidência da casa. Mas não precisa ter dó do tal mito. Apanhar é o que ele quer.

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A derrota, estrategicamente planejada pelo Rei do Gado (com todo respeito ao ator Antônio Fagundes), tem duplo propósito. O primeiro, dar consistência à tese de vítima do sistema, que endossa o slogan do rebanho de que “esse é o presidente que faz o que nenhum presidente já fez”. Fato. Ninguém fez o que ele faz. Nenhum personagem da República passou e gerou tanta vergonha. O segundo propósito é pavimentar o caminho para um golpe militar. Embora o desfile de tanques blindados na Esplanada dos Ministérios tenha causado mais medo no mosquito da dengue do que nos demais poderes, é notório e claro que a intenção do presidente é se perpetuar no comando pelo caminho da pólvora. Pelo diálogo (“saliva”, como ele define) não vai funcionar. Bolsonaro mal sabe articular um pensamento com começo, meio e fim. Tudo gira em torno de teses conspiratórias, do enredo do bem contra o mal, dos conservadores de direita contra os comunistas, do mocinho e do bandido. Para o presidente, não importa qual a relevância da pauta à mesa. Tudo termina em foto nas redes sociais com sinal de arminha e o dedo em riste.

A ofensiva de Bolsonaro contra a instância máxima do Judiciário – que é cheia de defeitos, sim, não por isso condenável à forca – é mais uma jogada cantada, um lance manjado e desprovido de inteligência. Mas é a única que Bolsonaro sabe jogar. Pelo voto popular – seja com urna eletrônica, com recibo impresso e auditável ou com carimbo de sangue no papiro – Bolsonaro vai perder. Vai perder para o Lula. Vai perder para o Ciro. Vai perder para o Doria. Provavelmente, com a “Glória de Deus”, perderia para o Cabo Daciolo.

A ruptura da democracia é, sob qualquer cenário, a única alternativa de Bolsonaro. Uma derrota em 2022, mais do que perder o poder de presidente, representa o caminho para o xilindró. Sem foro privilegiado, vai acabar na cadeia por crimes de prevaricação, por crimes contra a saúde pública, por falsificação de documentos, por corrupção passiva e por curanderismo – além de inúmeras outras picaretagens. Pelos cálculos preliminares do relatório da CPI da Covid, os crimes atribuídos ao presidente podem render pena de até 55 anos de prisão.

Bolsonaro é a personificação do vexame, encarnação da ignorância humana – em um nível medieval – e um exemplo do que não ser. Não é patriota. Muito menos cristão. Não é defensor da família (exceto dos milicianos e corruptos da família dele). Ele é um erro de percurso da história, socialmente anabolizado pela falcatrua generalizada nos governos Lula e Dilma. O estrago levará décadas para ser consertado. Mas, se justiça for feita, o próximo ex-presidente da República será apenas mais um nome dos capítulos mal-sucedidos da história do País e um número na lista de detentos do sistema penitenciário nacional. Conheceremos a verdade, e a verdade nos libertará.