Não haverá tons de cinza para descrever Sheryl Sandberg. Adoradores e detratores, em doses iguais, definem com suas opiniões opostas a personalidade da mulher que por 14 anos foi a Número 2 de Mark Zuckerberg na Meta — em muitos casos foi a Número 1, especialmente nos momentos em que a empresa foi duramente atacada por ser uma plataforma de propagação de discursos de ódio e desinformação. E se a frase ‘ninguém é insubstituível’ é a primeira grande verdade no mundo corporativo, no caso de Sheryl cabe a também verdadeira (e rara) ‘algumas pessoas são inigualáveis’. Ela fez justiça ao posto. Ao chegar à empresa, a companhia era um bebê de quatro anos e fazia US$ 272 milhões de receita, com prejuízo de US$ 56 milhões (o que nunca mais aconteceu). Em 2021, o faturamento foi de US$ 117,9 bilhões e o lucro, de US$ 39,4 bilhões.

Essa máquina de fazer dinheiro é um mérito que unanimemente se credita a ela (até pelos inimigos). Quando foi contratada por Zuckerberg, que tinha então 23 anos, Sheryl estava com 38 — a idade dele hoje. Todos brincam que ela era a adulta na sala. A diferença, no entanto, era muito maior do que esses 15 anos. Se ele era o visionário brilhante, ela trazia o currículo parrudo. Nascida dia 28 de agosto de 1969, formou-se em Economia em Harvard como a melhor aluna da turma. Na universidade, teve como orientador Lawrence Summers, que a levou para trabalhar com ele enquanto foi o economista-chefe do Banco Mundial (1991-1993). Dali, Sheryl foi fazer mestrado em Administração e trabalhar na McKinsey. Em 1996, voltou a se juntar a Summers, que havia se tornado vice-secretário do Tesouro dos Estados Unidos (1995-1999) e depois secretário (1999-2001). De lá saltou para o Google. Isso foi em 2001. Logo se tornou VP de Vendas e Operações On-Line e responsável pelo desenvolvimento do AdWords e do AdSense, verdadeiros dutos de jorrar dinheiro na operação.

Não era alguém #opentowork quando Zuckerberg a chamou. O cara que inventou o que conhecemos como rede social foi provavelmente o melhor recrutador da história. Porque queria alguém que soubesse levar dinheiro para sua companhia por meio de publicidade digital e, ao mesmo tempo, tivesse trânsito no mundo da política e conhecesse de relações governamentais. Sheryl Sandberg era essa pessoa. “Ela arquitetou o nosso negócio de publicidade, forjou a nossa cultura de gestão e ensinou-me a gerir uma empresa”, disse Zuckerberg em seu post de despedida na quarta-feira (1), dia em que Sheryl oficialmente pediu para sair da Meta-Facebook.

LIÇÃO A executiva também usou a rede social em que era funcionária para seu texto de ‘em busca de novos desafios’. Numa postagem de 1,5 mil palavras foi polida e diplomática. Num trecho curto, no entanto, foi cirúrgica: “Aprendi que ninguém nunca é”. Mostrou ter assimilado a sabedoria da impermanência. A de saber que no mundo corporativo as pessoas ‘estão’ algo, e nunca ‘serão’ algo. Nos bastidores de quem cobre a fundo as Big Techs, dizia-se que ela havia começado a perder espaço na empresa desde o ano passado. O que aparenta ser mais fato que especulação. Na despedida, afirmou que não sabe quais serão seus passos novos, mas que a filantropia estará entre eles. Tudo bem. Sua fortuna está estimada em pelo menos US$ 1,6 bilhão, mas a Forbes calcula que desde o IPO do Facebook, há dez anos, ela já havia vendido pelo menos outros US$ 2 bilhões em ações da companhia.

Grana, reconhecimento, passagens marcantes e vitoriosas por Facebook, Google, Banco Mundial e Tesouro americano. Faltava algo? Talvez escrever um ou dois best sellers — o que ela também fez, em especial com Lean In, livro lançado em 2013, sobre empoderamento das mulheres em casa e no trabalho. Vendeu nos primeiros 60 meses 4 milhões de cópias. De onde, então, poderiam aparecer seus detratores? Ou por que motivo ela seria questionada? Bem. Há alguns. A maior parte deles fica nas sombras por temer retaliações.

Os poucos explícitos e contundentes se organizam em entidades de vigilância do poder descomunal de plataformas de redes sociais. Um deles é a organização americana Media Matters, que trata de policiar a desinformação de direita nos Estados Unidos. “Durante os 14 anos de Sheryl Sandberg na Meta as plataformas de redes sociais da empresa (Facebook, Instagram e WhatsApp) se transformaram em fossas de desinformação, racismo, misoginia e teorias da conspiração violentas”, afirmaram em reportagem assim que a saída de Sheryl foi tornada pública. “Ela falhou em agir e o legado dela é permitir trollagem, assédio e abuso, tendo criado um modelo de negócios que prioriza a receita sobre a segurança de seus usuários.” Bem, não é algo que nossas mães curtiriam ler. Mas foi o risco que a executiva nunca evitou. Pelo bem e pelo mal. Trata-se de um dos maiores, se não o maior, nome feminino na indústria. A era da fera acabou. Pelo menos na Meta.