Uma das mais recorrentes críticas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, desde que assumiu sua função no governo Bolsonaro era sua inabilidade política. No Congresso nunca foi bem recebido. Também passou toda a gestão distante dos militares e dos religiosos. Na visão de outros ministros, Guedes vivia numa ilha. “Uma bolha com seus 20 assessores”, disse um colega ao fim de um encontro com o presidente em fevereiro. Mas a postura de Guedes não era sem sentido. Se ele era o dono da chave do cofre, ficar amigo de um ou de outro poderia sugerir falta de isonomia. A postura, no entanto, o levou a ser vítima de uma panela de pressão envolvendo as diversas forças que atravessam o governo. Agora, em ano eleitoral, Guedes está mais sozinho do que nunca, e o cerco ao chefe da economia brasileira foi fechado. Para desviar das pressões, ele adotou três táticas bastante comuns da gestão Bolsonaro: barganha, cortina de fumaça e banho Maria.

São recursos para tentar minimizar as demandas que se acumulam na porta do Ministério da Economia. A primeira tática, a da barganha, tem sido usada para tratar o reajuste dos servidores públicos e as benesses para os policiais civis, militares e membros das Forças Armadas, além do aumento para programas sociais. Tudo isso envolto em um movimento liderado pela ala política, religiosa e militar que há meses querem colocar a cabeça de Guedes a prêmio. Um dos assessores do ministro confirmou à reportagem que a temperatura tem aumentado nos últimos meses e que os argumentos que envolvem a corrida eleitoral também têm pesado nas inclinações do presidente da República.

PARLAMENTO ORGANIZADO Base de apoio de Bolsonaro no Congresso não aceita Guedes em um eventual segundo mandato de Bolsonaro. (Crédito:Mateus Bonomi)

Mas mesmo com toda a pressão, Guedes parece resistir. Ele adotou um discurso condicionante em que impõe uma demanda para oferecer uma benesse. E a bola da vez agora é a venda da Eletrobras. Com o processo de privatização emperrado no Tribunal de Contas da União (TCU) o ministro tenta colocar os políticos para trabalhar a favor da aprovação do edital. Isso porque há uma forte politização em todo o processo de venda da estatal, encabeçada em especial por políticos do MDB, que tradicionalmente defendem a manutenção da empresa de energia nas mãos do poder público.

Há um ano o ministro Vital do Rêgo pediu vista no julgamento do edital, o que foi considerado uma derrota e tanto para o governo — e vitória dos políticos, em especial senadores. Agora o governo vem costurando uma força tarefa com os ministros do TCU para tentar mitigar os problemas apontados e liberar a venda. O reforço positivo teria de vir do próprio centrão, que já sacou a barganha. Se a estatal for vendida ainda este ano, haverá espaço para cumprimento das demandas encaminhadas a Guedes. Também haverá espaço para execução das emendas de relator do Congresso e mais dinheiro nas campanhas eleitorais.

5% é o valor indicado por Guedes para o reajuste dos servidores públicos

E todo esse escambo tradicional da política brasileira também funciona como a tática número 2 do ministro, a cortina de fumaça, já que a privatização da Eletrobras é uma corrida contra o tempo. Pelo cronograma do governo, o TCU precisa dar aval à operação até quinta-feira (27). É o tempo necessário para que o BNDES faça todo o trâmite e consiga realizar a capitalização na B3 e na Bolsa de Nova York até o dia 13 de maio.

Caso passe do dia 13 de maio, uma sexta-feira, o governo só consegue fazer a operação em agosto. Isso devido a prazos estabelecidos pela SEC, que regula o mercado de ações dos Estados Unidos, onde a Eletrobras tem papéis negociados. O problema é que agosto é um prazo delicado em função da proximidade das eleições de outubro. Além disso, os fundos internacionais costumam concentrar aportes em grandes capitalizações no primeiro semestre. Se tudo convergir e o leilão acontecer, o governo calcula outorga de R$ 67 bilhões com a privatização, que será fatiado entre o Tesouro, o pagamento da Conta de Desenvolvimento Energética (CDE) e revitalizações de bacias hidrográficas.

19% é o reajuste salarial pedido por policiais. Cifra já foi rejeitada por Paulo Guedes

Para lidar com os policiais civil, militar e pessoal das forças armadas, a estratégia é a de número 3, o banho Maria. Bolsonaro faz promessas de reajuste e reestruturação de carreiras, mas Guedes ofereceu reajuste linear de 5%. O valor foi muito mal recebido pelos agentes da segurança pública, mas ainda não houve espaço para reclamações formais, já que ainda não foi oficializado pelo governo. E talvez nem seja tão cedo. Isso porque por determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal qualquer aumento com despesas de pessoal precisa constar da folha de pagamento de julho, antes de 180 dias do fim do mandato presidencial. Sobre esse tema, Guedes afirmou que o governo “trabalha para ajustar o salário do maior número possível de servidores, mas é preciso comprometimento com a questão fiscal”.

Também fica para um segundo mandato a revisão da tabela do Imposto de Renda. O assunto foi confirmado por Bolsonaro à CNN. Segundo o presidente, Guedes pretende anunciar para o próximo ano um “percentual bastante elevado” de faixa de isenção na tabela do Imposto de Renda, passando de R$ 2 mil para R$ 3 mil. “Conversei agora há pouco com ele e estamos perseguindo desde o começo a questão do Imposto de Renda.” Segundo Bolsonaro, a demanda pelo reajuste antecede seu governo e será resolvida caso ele seja reconduzido ao cargo.

DINHEIRO NA ESTATAL Governo espera uma outorga de R$ 67 bilhões com a venda da Eletrobras. (Crédito:Andre Melo Andrade)

Para explicar como isso seria feito, Bolsonaro disse que Guedes não precisa buscar fonte alternativa para cobrir o desconto, nos mesmos moldes do IPI. O problema é que muito provavelmente Paulo Guedes não estará na equipe econômica nessa ocasião. Dois deputados da base aliada do governo, que conversaram com a reportagem em condição de anonimato, sinalizaram que está em curso o desenho de um acordo para garantir que Guedes não esteja no time ministerial em 2023. O acordo, liderado por políticos do PP, PSL, PL e Republicanos, já vêm com a estrutura montada. O plano é fatiar o superministério de Guedes em pelo menos outros dois. Brasília sendo Brasília…

DIVISÃO ENCAMINHADA Estaria em discussão o retorno dos ministérios da Indústria e Comércio Exterior, Planejamento e Fazenda. Além da manutenção do revivido Ministério do Trabalho. Com esse desenho, Bolsonaro poderia ceder alguns cargos e garantir um apoio mais forte no Congresso Nacional. E ainda que os nomes para ocupar as novidades na estrutura ministerial estejam em discussão, os deputados ouvidos pela reportagem reafirmaram que Guedes não faz parte dos planos. “Ele pode continuar parte do governo, mas não terá mais essa carta branca que teve até agora”, disse um deles. Se tudo correr como eles planejam, passada a cortina de fumaça, Guedes não estará mais no cenário.

NA COLA DOS AMERICANOS

E se dentro do Brasil a temperatura da fritura de Paulo Guedes aumenta, o ministro tentou vestir seu discurso mais otimista em reunião com lideranças empresariais americanas em Washington, nos Estados Unidos. O encontro, que ocorreu na Câmara de Comércio dos Estados Unidos, serviu para estreitar laços com companhias que já possuem negócios com o Brasil nos setores de telecomunicações, meio ambiente e saúde. Eles trataram do mundo pós-pandemia e guerra da Ucrânia e como o Brasil pode aproveitar oportunidades.

Logo no começo do encontro Guedes tratou do calcanhar de Aquiles do empresariado: o complexo sistema tributário que rege o País. Segundo ele, uma reforma fiscal ampla e que mitigará a burocracia já está em curso. E muitas coisas que dependiam apenas dele estão em vigor, e o resultado já pode ser sentido.“Temos quase R$ 1 trilhão de investimentos contratados para os próximos dez, 12 anos no Brasil, em petróleo, gás natural, setor elétrico e telecomunicações”, disse.

Na quarta-feira (20), no Centro de Estudos Americanos, Guedes foi incitado a falar sobre a Rússia, e reconheceu que o timing da visita de Bolsonaro ao presidente Vladimir Putin foi infeliz. “O momento não era adequado. Mas o fato é que o Brasil, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, votou duas vezes condenando a Rússia”, disse o ministro.