Toda troca de emprego exige do profissional uma dose de paciência. Tudo é novo, desde email corporativo, sala de trabalho, refeitório, à convivência com os colegas. A adaptação é mais longa quando há mudança de cidade e de área de atuação. Em Brasília, o médico goiano Zacharias Calil passará por tudo isso e algo mais: terá de se acostumar a tomar decisões que afetem não só seus pacientes, como toda a população do País. Estreante na política, ele estima precisar de três meses para superar as dores iniciais do primeiro mandato de deputado federal. “Não adianta chegar dizendo que as coisas são assim ou assado”, afirma Calil, do DEM. “Eu não tenho conhecimento do próprio funcionamento do sistema.” Ao todo, serão 250 novatos na Câmara, a maior renovação vista desde a democratização. É praticamente uma bancada inteira de aprendizes, pela qual terá de passar boa parte da gorda pauta econômica do governo.

Os estreantes são, em sua maioria, empresários, têm entre 35 e 44 anos, com grandes chances de pertencer ao PDL do presidente Jair Bolsonaro. A maioria não tem familiaridade com regimento, Orçamento e temas de políticas públicas que terão de apreciar. Daí porque a condição de aprendiz será vivida no sentido mais amplo da palavra, com direito a regresso à sala de aula. A Câmara ofereceu uma introdução ao universo parlamentar. Uma capacitação de dois dias aprofundou o funcionamento do processo legislativo. Não por acaso, os módulos temáticos se concentraram em economia, em especial na situação fiscal e nas reformas da Previdência e tributária. A revisão das aposentadorias é o grande tema a ser enfrentado pelos parlamentares que assumem. É visto como o fator essencial para uma recuperação das contas públicas, capaz de abrir caminho para um crescimento mais vigoroso do PIB.

A reforma da Previdência é um assunto complexo, impopular e muito técnico, o que exige dedicação extra dos congressistas. No curso introdutório, consultores legislativos mostraram aos deputados, por exemplo, como o Brasil gasta em pensões com morte 2,7% do PIB, enquanto a União Europeia despende 1,7%, na média; como 118 países, numa lista de 177 nações, não fazem distinções de idade mínima para homens e mulheres; e como é possível aprovar mudanças como o limite ao acumulo de benefícios por lei complementar, mais simples do que numa Proposta de Emenda Constitucional (PEC), como apresentada pelo governo Michel Temer. A gestão anterior passou dois anos explicando as necessidades das mudanças. Deputados tiveram aulas sobre o sistema, mas isso não bastou para que o texto fosse aprovado.

DEBATE MADURO A capacitação técnica está preservada no grupo de 245 deputados reeleitos. Em teoria, o conhecimento acumulado aumenta as chances de aprovação do texto. Para os aprendizes, a sensação é de que será preciso correr atrás.“A gente não pode simplesmente chegar lá e a bancada falar que é para votar desse jeito”, afirma Calil. “Eu ainda não conheço totalmente, tenho de estudar e ver o que vai em benefício ou prejuízo de alguém.” Apesar de receber uma aposentadoria superior ao teto do INSS, como ex-servidor do Distrito Federal, o médico apoia a revisão. “Se tiver de me afetar, vou me sujeitar a isso. Teremos de cortar não na carne, mas no osso.”

Além do formação da Câmara, Calil integrou uma turma de 56 parlamentares do primeiro curso de gestão estratégica ao Legislativo do Insper. Elaborado em conjunto com o RenovaBR, o treinamento foi pensado na alta taxa de renovação do Congresso. “A partir do momento que a gente consiga acelerar a curva de aprendizagem, eles chegam menos crus e conseguem entregar mais para a população”, afirma André Marques, coordenador do curso. “Não adianta trazer o novo sem conhecimento e não dá para demorar dois anos para se inteirar.” Os temas fiscal e Previdência ocuparam boa parte da formação, com aulas ministradas por Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica, e Paulo Tafner, responsável por um dos projetos de revisão do sistema de aposentadoria que está sob avaliação do governo.

A grande questão é saber se as formações serão suficientes para sobrepor o tempo de maturação da bancada de aprendizes e garantir que eles estejam prontos para apreciar a reforma no tempo do governo. O texto deve ser apresentado ainda em fevereiro e deve incluir militares, Estados e municípios, segundo indicou o ministro da Economia, Paulo Guedes, na quarta-feira 30. “Como houve uma renovação muito atípica, pode atrasar um pouco porque os novos parlamentares vão ter de se adaptar aos ritos”, afirma Antonio Augusto Queiroz, da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical. “Por outro lado, o texto já está em plenário e há farto material para o debate, o que pode facilitar.”