O executivo francês Philippe Donnet, CEO da seguradora italiana Generali, conhece o Brasil faz tempo. Aos 57 anos, formado em atuária, ele veio para cá pela primeira vez aos 20 anos. Mas, em vez de um terno, ele trajava um uniforme de marinheiro e não estava interessado em negócios. Aluno da escola militar, Donnet realizava sua primeira grande viagem internacional. “Passei por muitos lugares: Belém, Ouro Preto, Recife, Salvador e Brasília”, diz ele, em uma entrevista exclusiva à DINHEIRO.

Quase quatro décadas depois, Donnet ainda tem vivas, na memória, as impressões da visita. E elas ajudam a explicar sua estratégia por aqui. “Muitos executivos internacionais acreditam que o Brasil se restringe aos grandes edifícios de São Paulo, mas o País é muito maior, muito mais diverso, oferece enormes oportunidades de negócio e é estratégico para nós.”

A declaração não é mais uma frase protocolar de um executivo em visita. O interesse pode ser comprovado pelos números. Nos 12 meses até novembro, a Generali injetou R$ 160 milhões na filial brasileira, que, desde abril de 2015, está sob o comando do executivo Antonio Cássio dos Santos. Executivo experiente, Cássio já comandou a Mapfre e a Zurich e assumiu a Generali para virar o jogo na empresa, que sempre teve participações discretas no mercado. Desde sua chegada, a Generali fechou dois acordos para ampliar a distribuição de seguros. Em 2016, Cássio costurou uma parceria de 20 anos com o banco mineiro BMG, para comercializar apólices nas agências do banco e na rede de lojas de crédito consignado Help!. Neste ano, a Generali associou-se à operadora de telefonia celular Tim. Por oito anos, ela terá exclusividade para vender seguros contra roubo e quebra de aparelhos telefônicos e também contra inadimplência ou fraudes nas contas. Além desses seguros, as principais apólices vendidas pela Generali por aqui são seguros automotivos, um dos segmentos onde a competição é mais dura.

Os movimentos da filial brasileira estão em linha com a estratégia implantada por Donnet, que preside a centenária seguradora italiana desde março de 2016. “A parceria com a TIM vai ao encontro do que procuramos atualmente”, diz ele. “Fazer acordos que permitam ampliar a distribuição de nossos produtos usando tecnologia e meios digitais.” E há mais por vir. Segundo o executivo, outra parceria de distribuição deve ser anunciada no primeiro trimestre de 2018. Discreto, o ex-jogador de rúgbi não abre a defesa, e adianta, apenas, que o novo negócio será parecido com os anteriores. “Sempre buscamos uma associação com um parceiro que fica responsável pela distribuição junto ao cliente final.” Aquisições interessam menos. “No nosso negócio, o crescimento orgânico é melhor caminho”, diz o executivo. Quem conhece o mercado avalia que sua estratégia de apoiar-se em distribuição digital é um trunfo. “O incentivo crescente ao uso dos meios remotos vai ser uma medida importante para elevar o patamar de crescimento do setor de seguros”, diz Marcio Coriolano, presidente da Confederação Nacional dos Seguros (CNSeg). Coriolano diz esperar um crescimento de até 10,5% do mercado segurador brasileiro neste ano.

Donnet enfrentou uma prova de fogo no início deste ano, quando a Sao Paolo Intesa, segundo maior banco italiano, tentou fazer uma aquisição hostil da Generali,. “Tivemos de agir rápido, pois essa associação não era do interesse dos acionistas”, diz ele. A saída foi lançar um contra-ataque relâmpago, aproveitando uma brecha na defesa adversária. As leis italianas restringem participações cruzadas no sistema financeiro. Assim, um banco não pode fazer uma aquisição hostil de uma empresa que possua mais de 3% de seu capital. Dias após a oferta, lançada no dia 24 de janeiro, a seguradora comprou ações suficientes da Intesa para barrar o processo, que foi formalmente cancelado em março.

Venda de Seguros por celular: ferramenta estratégica no mercado brasileiro (Crédito:Petar Chernaev)

Ponto para Donnet, que desde então vem prosseguindo com a simplificação das atividades da empresa. Para a América Latina, os focos são Brasil e Argentina, onde os italianos controlam a seguradora La Caja, especializada em vida e previdência. A meta é ampliar o peso de ambos os países no faturamento total. Com receita de € 1 bilhão (R$ 3,9 bilhões) prevista para este ano, a fatia do Cone Sul representa menos de 1,5% dos € 70 bilhões (R$ 275 bilhões) em prêmios globais. O campo é vasto. “As seguradoras europeias têm uma tecnologia avançada para medir riscos de clientes individuais, o que permite calcular preços com mais precisão”, diz Leandro Elias, CEO da April Seguros, uma corretora atacadista controlada pelo grupo francês April. “Elas têm sido tímidas em usar esses recursos por aqui, mas têm vantagens competitivas se apostarem mais na tecnologia.”