Face à onipresença de meios e interfaces comunicacionais, temos a oportunidade de comprar ou consumir quase que 100% de nosso tempo. Essa abundância faz, contudo, cada vez mais, com que pensemos nossas escolhas sob aspectos não apenas utilitários, mas também emocionais e existenciais. Tamanha oferta é mais do que resposta a estratégias corporativas, é também um importante fato cultural. Uma via de mão dupla, onde sociedade e organizações se influenciam, e que algumas empresas parecem entender mais do que outras.

Tomemos nosso sono, como exemplo. Uma necessidade real e básica. Compramos colchões poucas vezes na vida, apesar de convivermos com essa escolha diariamente. Acostumamo-nos, no entanto, a comprá-los em lojas pouco atraentes, distante do que sonharíamos nas nossas noites de sono. Até que nasceu a marca americana Casper, suscitando uma verdadeira revolução no mercado americano. Ela conseguiu juntar a conveniência da economia digitalizada, com uma linha descomplicada de bons colchões., entregue direto ao consumidor, numa pequena caixa, com preços justos. Somado a isso, investiu estrategicamente na disseminação da cultura do sono, enfatizando o mantra que “dormir melhor é viver melhor”, com uma linguagem leve e relevante à geração adulta pós-moderna. O acesso à essa mensagem e aos produtos acontece pelas suas plataformas digitais, pelas pequenas lojas que mimetizam um perfeito quarto (muitas temporárias), pelos trailers Naptour, que rodam cidades e eventos convidando pessoas à soneca, assim como pelo seu espaço Dreamery, fixo em Nova York. Em menos de cinco anos se transformou num negócio bilionário, ameaçando empresas tradicionais nesse mercado. É um belo caso de uma marca que que vai além da oferta utilitária. Isso, contudo, ainda parece ser insuficiente.

Dreamery by Casper, New York

A mesma sociedade que não abre mão do consumo, tampouco renuncia aos seus valores e se pergunta: qual a contribuição que determinado produto traz para minha saúde, para minha comunidade e para o planeta? Para conciliar tudo isso o consumidor está muito mais consciente, não apenas no sentido ambiental, mas também no social e identitário. Busca entender de quem compra, de que é feito o produto, impactos causados, quem mais consome e que tipo de atitude a empresa tem em relação aos seus colaboradores e à comunidade. No caso da Casper, por exemplo, eles dão o descarte apropriado aos colchões, fronhas e lençóis antigos de seus clientes, dentre outras iniciativas sociais.

Casper Naptour trailer

Caixa de Entrega, Casper

Pela ótica das organizações, significa um novo paradigma, pois a questão extrapola as áreas que tradicionalmente são responsáveis pelos produtos e marcas, e invade a essência da estratégia corporativa, refletindo na sua visão, missão, valores e propósito. Assunto da alta liderança, que precisará compreender mais do que só o seu mercado.

Ativismo político por parte de uma empresa privada sempre foi uma prática pouco usual. Nesses novos tempos, no entanto, dependendo do seu posicionamento, pode ser exatamente isso que o consumidor espera. A Patagônia, marca de roupas esportivas, afirma que “está no negócio para salvar nosso planeta natal”. Além de rastrear toda a sua cadeia de suprimentos, garantindo a conservação ambiental, doou para causas ambientais mais de US $ 10 milhões de cortes de impostos que recebeu do governo Trump. Apoiou abertamente dois candidatos políticos que tinham a sustentabilidade no centro de suas campanhas. Há poucos dias, anunciou também que não mais fará mais venda corporativa (co-branded) de seus produtos para instituições financeiras, pois entendem que não comungam de um mesmo ideal. O fato foi divulgado nas redes sociais como uma “crise” em Wall Street e disparou o preço das peças no mercado informal (aparentemente, após as gravatas serem abolidas, suas malhas funcionavam como um uniforme voluntário por esse público).

The Wall Street Journal comentando decisão da Patagônia, 08 Abril, 2019

Se no passado, se diferenciar dos concorrentes era suficiente, agora contribuir para a sociedade é a nova régua. Nesse contexto, cada empresa deve encontrar sua forma de construir relações sociais fortes com seus consumidores e parceiros.

(*) Cecília Andreucci é conselheira de administração,
mercadologista e doutora em comunicação