Três décadas depois dos protestos multitudinários que levaram ao fim do regime comunista, checos e eslovacos voltam às ruas, fartos da corrupção reinante e dos políticos, cuja carreira teve início naquela época.

Em 1989, a Revolução de Veludo – protestos sem precedentes e uma greve geral em massa – derrubou o regime totalitário na Checoslováquia, tutelado pela União Soviética, que imperava há quase quatro décadas.

A Checoslováquia era membro do Pacto de Varsóvia que naufragou naquele ano com o colapso do comunismo na Alemanha Oriental, na Polônia, na Hungria, na Bulgária e na Romênia, pondo fim à Guerra Fria.

Os comunistas não desapareceram completamente da política e agora se uniram aos populistas em uma tentativa de recuperar o poder nos dois Estados que surgiram da divisão de Checoslováquia: a República Checa e a Eslováquia.

“O legado comunista ainda sobrevive na Eslováquia e a corrupção é um grande problema”, diz o ator Milan Knazko, que foi um dos líderes mais populares da Revolução de Veludo.

“Mentiras, corrupção, hipocrisia, intimidação, assédio às pessoas: estes são os métodos do comunismo habituais aqui”, afirmou.

“Ainda não aceitamos a liberdade, a ordem, a democracia e os direitos humanos”, disse à AFP o aposentado checo Kamil Miroslav Cerny, membro de um grupo opositor em 1989.

– Assassinatos e corrupção –

O primeiro-ministro checo, o populista Andrej Babis, de passado comunista, aparece nas fichas policiais dos anos 1980 como um agente secreto, o que o milionário rejeita categoricamente.

Seu governo de coalizão pôde sobreviver no Parlamento apenas graças ao apoio informal do Partido Comunista, que, nas legislativas de 2017, obteve seu pior resultado eleitoral desde 1990. Ficou, pela primeira vez, abaixo de 10%, mas controla 15 das 200 cadeiras da Câmara baixa.

Babis também enfrenta uma série de acusações de corrupção e conflitos de interesse por sua holding Agrofert, a qual tem negócios no setor agrícola, no setor de mídia e químico.

Cerca de 250.000 pessoas se reuniram em junho passado no centro de Praga para pedir a renúncia de Babis, na maior manifestação registrada desde a Revolução de Veludo.

Seus organizadores, o movimento do Milhão de Momentos pela Democracia, estão planejando outro protesto em 16 de novembro para comemorar a histórica data.

“Daremos um ultimato a Andrej Babis: ou resolve seu conflito de interesses, ou renuncia como primeiro-ministro”, disse esta semana o responsável pela organização Mikulas Minar, que brande a ameaçar de convocar manifestações, se Babis não fizer nada.

Com raízes políticas no Partido Comunista, Robert Fico, líder dos socialdemocratas populistas do Smer-Sd na Eslováquia, move os fios da política, apesar de não estar no governo.

Teve de deixar o cargo de primeiro-ministro no início de 2018 em consequência do assassinato do jornalista investigativo Jan Kuciak. A reportagem expôs os vínculos de alguns funcionários de seu governo com a máfia italiana.

O assassinato do jornalista gerou os maiores protestos na Eslováquia desde a Revolução de Veludo.

Vários funcionários tiveram de abandonar seus cargos, depois que vieram à luz seus vínculos com o empresário Marian Kocner, acusado de encomendar o homicídio.

– ‘A democracia em perigo’ –

Em 17 de novembro de 1989, a polícia comunista reprimiu brutalmente uma marcha pacífica de estudantes no centro de Praga, deflagrando o incontrolável trânsito para a democracia conhecido como a Revolução de Veludo.

Os eslovacos tomaram as ruas dois dias depois. Milhares de pessoas se manifestaram em Praga e Bratislava durante dias.

Os comunistas foram saindo de cena, e o escritor dissidente Vaclav Havel se tornou presidente da Checoslováquia, levando o país a eleições democráticas em 1990.

Depois da separação em 1993, a República Checa e Eslováquia aderiram à Otan e à União Europeia.

Emergiram novos políticos e partidos, mas os eleitores foram perdendo a paciência, devido, em boa parte, à corrupção generalizada. Então, começaram a se tornar políticos com raízes comunistas.

“A tolerância com a cooperação com o velho regime, inaceitável em políticos de alto nível no passado, aumentou consideravelmente”, diz Tomas Lebeda, analista político da Universidade de Palacky, na cidade checa de Olomouc.

“A sociedade é muito indulgente e tolerante com entidades que podem pôr o processo democrático em perigo”, adverte.

– ‘Fortes personalidades’ –

Babis – quinta fortuna checa, segundo a revista Forbes – escapou das acusações de negócios escusos e sobre seu passado comunista. Entrou no governo como ministro das Finanças em 2013, adotando uma mensagem contra a corrupção.

Seu movimento ANO (Si) foi a segunda força na eleição de 2013 e ganhou em 2017.

Desde então, lidera as pesquisas, com uma aceitação de 30%, apesar das alegações de corrupção que o perseguem.

Fico foi primeiro-ministro em 2006-2010 e 2012-2018.

As sondagens sugerem que seu partido Smer-SD, que lidera o governo de coalizão do primeiro-ministro Peter Pellegrini, é o mais bem posicionado nas intenções de voto para as eleições de fevereiro.

“As personalidades fortes são as ganhadoras, independentemente de seu passado”, diz o analista checo Jan Kubacek à AFP.

“Os novos rostos (da oposição anticomunista) simplesmente fracassaram após a revolução, e as pessoas começaram a buscar alternativas”, acrescentou.