O discurso feito pela então presidente Dilma Rousseff, em 2012, ainda ecoa nas mentes de técnicos e empresários do setor elétrico. Ao anunciar, em rede nacional de televisão, a redução de 20% nas contas de luz, ela lançava medidas que deveriam beneficiar os consumidores, mas que acabaram produzindo um desequilíbrio aos agentes do sistema, com um efeito que provocou uma alta de 50% nas tarifas três anos depois e um passivo de R$ 100 bilhões. Nos últimos meses, o governo vem lançado mão de uma série de medidas para reverter esses danos. Com a revisão do marco regulatório, liberada para consulta pública no começo de julho, o que se pretende agora é enterrar os problemas do setor e, de quebra, reduzir a intervenção estatal, abrindo espaço para os investimentos privados.

O plano prevê o fim do sistema de cotas, modelo de tarifas adotado em 2012. Na ocasião, o governo propôs renovar uma série de concessões que estavam marcadas para vencer em três anos. Para fechar negócio, as geradoras precisariam aceitar baixar as tarifas de R$ 100 por megawatt-hora (MWh) a R$ 30. A redução era justificada como uma forma de repassar aos consumidores os benefícios financeiros de ativos já amortizados. Para as geradoras que aceitaram, a maioria do grupo Eletrobras, sobraram prejuízos. Desde então, a estatal provisiona o que estima ser perdas desses contratos. Só em 2016, o valor somava R$ 952,7 milhões.

Com a abolição do modelo de cotas, as geradoras poderão cobrar tarifas de mercado e deverão ser colocadas à venda. A expectativa é que boa parte seja privatizada. Como consequência, pode haver um aumento estimado em 7% nas contas de luz. “O modelo se preocupa mais com a atratividade de investimentos do que baixar os custos da energia”, diz Carlos Farias, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace). Para o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Julião Silveira Coelho, a alta é um efeito colateral e menos pior do que manter o sistema antigo, em que o consumidor assumia o risco hidrológico.

Eduardo Sattamini, presidente da Engie Brasil Energia: “Nos parece que o novo marco legal vai incentivar os investimentos no setor” (Crédito:Fernando Willadino)

Ou seja, quando faltava água nos reservatórios, ele tinha que pagar pelo acionamento das termoelétricas, cujas despesas são elevadas. “A cota foi uma publicidade enganosa, porque baixava as tarifas, mas subia o custo para o consumidor”, afirma Coelho. “O modelo proposto busca a racionalidade financeira do setor, com menos subsídios e melhor alocação dos riscos.” A proposta ficará em consulta pública por um mês. O documento traz outras mudanças para revitalizar o sistema elétrico, como a cobrança de tarifas diferenciadas por horários e a possibilidade de mais empresas acessarem o mercado livre, em que se pode comprar energia diretamente dos fornecedores (veja quadro ao final da reportagem).

Hoje, a maioria dos consumidores integra o chamado mercado cativo, abastecido por distribuidoras específicas e sem possibilidade de negociarem com as geradoras. A medida é importante principalmente para indústrias, pois elas serão capazes de reduzir um de seus maiores custos. “O mercado livre tem preços voláteis, mas historicamente mais baixos do que o regulado”, afirma Lucas Rodrigues, analista de mercado do Grupo Safira Energia. Na avaliação dos agentes privados, o menor risco de intervenções estatais ajudará atrair investidores. “Os investimentos vão depender do detalhamento das propostas, mas nos parece que esse marco vai incentivar novos aportes”, afirma Eduardo Sattamini, presidente da Engie Brasil Energia, uma das maiores geradoras privadas de energia do País, com capacidade instalada própria equivalente a cerca de 6,3% do total.

A nova abordagem em relação ao setor elétrico começou a ser vista em abril, com o sucesso do leilão de linhas de transmissão, que arrecadou R$ 25 bilhões e teve um deságio três vezes maior que o visto na última edição, em outubro do ano passado. A grande questão é saber se a proposta, que deve ser enviada ao Congresso Nacional no segundo semestre, se sustentará ao ambiente político conturbado. “Dada a complexidade do tema, seria melhor que ele fosse apreciado em 2019, sob um novo governo”, diz Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel). Se resistir, o setor elétrico caminhará para encerrar um capítulo de desorganização e permitirá que as comportas dos investimentos se abram com mais força.