A s Unidades de Conservação (UCs) têm o papel importantíssimo de proteger ambientes naturais, possibilitando a salvaguarda da biodiversidade e dos serviços ambientais. Muito do território brasileiro resguardado hoje por Unidades de Conservação terrestres e marinhas teve o mecanismo da compensação ambiental do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) para ser efetivamente protegido. Estabelecida em 2000 pela Lei 9.985, a compensação ambiental tornou-se um dos principais meios de financiamento para a implantação e manutenção de UCs no Brasil. Em razão desse instrumento jurídico-financeiro, o processo de licenciamento de empreendimentos públicos ou privados que causem significativo impacto ao meio ambiente obriga a destinação de um porcentual do valor do investimento para as UCS.

A compensação ambiental tem sido responsável por salvar do colapso muitas áreas protegidas. Um risco ainda iminente em vista das dificuldades fiscais e arrecadatórias nos cofres públicos, agravados pelos gastos emergenciais para conter a pandemia. É preciso que a compensação seja fortalecida, com regulamentação mais clara, meios para facilitar sua aplicação e tornar sua disseminação eficiente.

Muitos conflitos doutrinários e jurisprudenciais impedem a compensação ambiental em todo o Brasil. Na prática, isso leva a decisões heterogêneas e até mesmo conflitantes. Enquanto um empreendimento de grande porte pode ter de destinar milhões a título de compensação em uma unidade federativa, outra iniciativa com grau de impacto semelhante pode ter de pagar bem menos.

Um exemplo é a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2008 entendeu como impertinente o piso estabelecido pela Lei 9.985/2000 de 0,5% do valor do empreendimento. Para a corte, o valor da compensação ambiental deve ser fixado proporcionalmente ao impacto causado, não devendo haver uma referência mínima ou máxima. No entanto, o decreto presidencial 6.848/2009, que teoricamente serviria para pacificar o tema, voltou a impor uma limitação ao pagamento da compensação – com um teto de 0,5%, o que, como já era de se esperar, vem sendo litigado na Justiça.

Além disso, a possibilidade de que a competência do licenciamento recaia sobre diferentes entes da federação, como prevê Lei Complementar n.º 140/2011, exige dos órgãos fiscalizadores um esforço em termos de articulação política, o que nem sempre ocorre na celeridade esperada.

Tudo isso gera dúvidas nos órgãos que têm a responsabilidade de decidir sobre os recursos da compensação, emperrando a destinação desse montante bilionário. No final das contas, é a causa da conservação ambiental que sai perdendo. Tal como essas divergências, muitas outras se espraiam por todo o Brasil, deixando os atores envolvidos como navegantes que atravessam um oceano sem nunca enxergar terra firme. São legislações estaduais e municipais diferentes e entendimentos nem sempre uniformes dos órgãos de controle que dificultam ainda mais o processo já conflituoso de conciliação de interesses.

No entanto, apesar dessas lacunas regulamentárias e legislativas, o instrumento da compensação é uma das maiores conquistas ecológicas que o Brasil teve nos últimos 20 anos — e que nem sempre recebe os devidos créditos. Avançar no seu aperfeiçoamento é imperativo. Além de permitir que empresas exerçam sua responsabilidade socioambiental e destinem recursos financeiros para a proteção de UCs, ele garante a preservação da nossa natureza e tudo que dela se origina, incluindo o mais importante: o nosso futuro.

Cristina Seixas Graça é promotora de Justiça da Bahia, presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. Malu Nunes é diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e do Instituto Grupo Boticário.