Os bancos estão prontos para fazer o maior investimento em tecnologia desde o bug do milênio. Liderados pela Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), eles vão desembolsar US$ 1 bilhão até outubro para que as transações bancárias acima de R$ 5 mil, como as de um simples DOC, sejam feitas on-line ? hoje esse tipo de operação demora até dois dias para ser compensada. O investimento vai revolucionar duas instituições do sistema financeiro Nacional: a câmara de compensações e o redesconto do Banco Central. O projeto vai resultar na criação de uma câmara privada, controlada pelos bancos e paralela à já existente. A atual, no Banco do Brasil, vai perder peso: calcula-se que apenas 20% dos cheques emitidos têm valor superior a R$ 5 mil, mas eles respondem por 80% de todo o volume financeiro. ?Os bancos terão que criar mecanismos para que as pessoas não usem cheques para altos valores, e sim DOCs eletrônicos, que passam pela compensação on-line?, diz Paulo Roberto Dias Lopes, do Banco do Brasil, coordenador do projeto do Sistema de Pagamentos Brasileiro (Sispag). Com isso, a figura do cheque administrativo, que os bancos emitem sob encomenda do correntista, deixará de existir. ?Por que alguém usaria um cheque administrativo se poderá transferir o dinheiro em tempo real??, pergunta Paulo Mallmann, superintendente técnico da Febraban.

Simultaneamente ao lançamento da nova câmara de compensação, em outubro, o Banco Central vai pôr em operação um outro sistema de compensação instantânea. A distinção entre os dois sistemas não vai fazer diferença para o correntista, que terá o dinheiro transferido instantaneamente em qualquer das duas modalidades, mas, para os bancos, a história é bem diferente. Pelo sistema do BC, 100% on-line, os bancos são obrigados a congelar uma parte de seu dinheiro na conta de reservas bancárias para pagar os DOCs compensados ao longo do dia. O dinheiro fica parado enquanto poderia ser investido no mercado a juros de 15,25% ao ano. Já a câmara de compensação é uma solução vantajosa para as instituições financeiras. Quem cobre as saídas de dinheiro dos bancos ao longo do dia é um fundo da própria câmara, deixando os bancos com mais recursos para aplicar. As operações a descoberto podem gerar saldos negativos de até R$ 6 bilhões por dia. Os bancos terão suas contas diretamente na nova câmara e terão que zerar o saldo diariamente.

Se não conseguirem cobrir suas contas, as instituições pedirão ajuda à própria câmara. Ou seja, o dinheiro virá de uma associação privada, dos próprios bancos, e não do redesconto do Banco Central, o responsável por emprestar recursos em última instância no sistema tradicional. Bancos que deixaram rombo na conta de reservas bancárias acabaram sendo socorridos com o dinheiro do bolso do contribuinte. ?Agora, se uma instituição estiver mal das pernas, quem pagará a conta serão os próprios bancos?, diz Dias Lopes, do BB. ?Se essa medida tivesse sido adotada no passado, o governo não teria gasto R$ 23 bilhões com o Proer, o programa de ajuda aos bancos quebrados?, diz Manoel Coelho, diretor da ACI Worldwide, uma das fornecedoras de tecnologia que está de olho nessa mudança de sistemas que afetará a vida de 170 instituições do mercado financeiro.

Os bancos não morrem de amores pelo cheque, instrumento de pagamento tão popular entre os brasileiros. No ano passado, circulou dessa forma R$ 1,4 trilhão na economia, sendo que em 3% dos casos não havia fundos ? o que correspondeu a perdas de R$ 43,3 bilhões. Mas esse não é o único motivo pelo qual os bancos querem se livrar dos talões. O custo de compensação no sistema tradicional é muito elevado. Todos os cheques do País são compensados pelo Banco do Brasil no Rio de Janeiro e em suas regionais e são transportados por terra e por ar. ?Uma das maiores fontes de receita das companhias aéreas é o transporte de cheques para a compensação?, lembra Alberto Matias, da consultoria ABM. A expectativa é de que, com a liquidação em tempo real, a tesouraria dos bancos se torne mais afiada. ?Os bancos terão uma idéia mais exata do tamanho dos recursos em tesouraria, e poderão maximizar os ganhos?, aposta Geraldo Travaglia, diretor do Unibanco. A adequação de sistemas atende a padrão internacional estabelecido pelo BIS, o banco central dos bancos centrais do mundo. ?As medidas trazem mais confiabilidade ao sistema financeiro e poderão elevar a classificação do Brasil frente os investidores internacionais?, acredita Matias, da consultoria ABM.