Quando criança, Kurt Wick escapou de uma morte quase certa em um campo de concentração nazista ao se refugiar em Xangai, um pequeno santuário na China conhecido por milhares de judeus que fugiam do Holocausto.

Aos 83 anos, passou as últimas duas décadas espalhando a mensagem de como essa cidade chinesa se tornou um paraíso que permitiu a milhares de judeus escapar da “Solução Final” de Adolf Hitler.

“Eles salvaram 20.000 judeus e, se não fosse por isso, eu não estaria falando com você agora”, diz Wick, que nasceu em Viena e que embarcou, com seus pais, em um navio no porto de Trieste para esta longa viagem para o leste.

“Teria sido uma das cinzas em Auschwitz, como minha outra família”.

Quarta-feira é o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, que marca o aniversário da libertação do campo de Auschwitz-Birkenau, o maior campo de extermínio nazista, em 1945.

Seis milhões de judeus morreram no pior genocídio da história da humanidade, mas Wick e seis outros membros de sua família conseguiram escapar da Europa para Xangai, porque era um dos poucos destinos para os quais nenhum visto era necessário.

“As pessoas deveriam saber, porque era o único lugar no mundo em 1939 que abriu suas portas para nós”, disse Wick por telefone de sua casa em Londres.

“Nem mesmo muitos judeus sabem”.

Xangai era uma terra estranha e distante para os judeus europeus, e logo foi totalmente ocupada pelo Japão imperial, cada vez mais agressivo.

A pequena, mas próspera, comunidade judaica que vivia na cidade chinesa desde o século XIX os ajudou.

Muitos relatos históricos apontam que a atmosfera do que hoje é uma metrópole próspera lembrava a de uma pequena cidade na Áustria, ou na Alemanha.

A vida era difícil e, após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, a população judaica de Xangai diminuiu drasticamente quando os refugiados voltaram para casa, ou foram morar em outros países.

– “Relação especial” –

As autoridades chinesas estão felizes em ver que a história de Xangai está-se tornando conhecida como um refúgio de paz para os judeus.

Em 2007, inaugurou o Museu dos Refugiados Judeus, promovido pela prefeitura, em Hongkou, bairro onde ficava o chamado “Gueto de Xangai”.

Localizado onde ficava a antiga sinagoga, foi reaberto no mês passado, após uma expansão que o triplicou.

A peça central do museu é uma parede com os nomes dos milhares de judeus que temporariamente moraram na cidade nas décadas de 1930 e 1940.

O museu destaca como judeus e chineses, que também sofreram a crueldade da guerra, ajudaram-se durante a ocupação japonesa.

Destaca ainda que os judeus nunca sentiram discriminação dos chineses, o que Wick confirma.

Ele também relata que os japoneses, embora fossem aliados da Alemanha nazista, não eram antissemitas e foram, “principalmente”, aqueles que lhes concederam refúgio.

Chen Jian, o diretor do museu, afirma que, antes da chegada dos refugiados, havia uma “relação especial” entre Xangai e os judeus, e que ela continua até hoje.

“Embora décadas tenham-se passado, e esse período da história tenha ocorrido há muito tempo, alguns dos refugiados e seus descendentes mantiveram uma amizade profunda conosco”, assegura.

– A história que não foi contada –

O rabino Shalom Greenberg, codiretor do Centro Judaico de Xangai, diz que, por décadas, a história de judeus que buscavam refúgio em Xangai não foi comentada e ainda é pouco mencionada hoje.

Nenhum dos refugiados permanece em Xangai, mas ainda há uma pequena comunidade muito ativa de cerca de 2.000 pessoas.

Não há preconceito algum com essa comunidade, diz Greenberg, de 49 anos, na centenária Sinagoga Sefardita Ohel Rachel.

“Este é um dos poucos lugares no mundo onde quando você anda na rua e ouve duas pessoas atrás de você dizer ‘esta pessoa é judia’, você não tem medo”, comenta.

“Nesta terra, nunca houve antissemitismo”, acrescenta.