Aconteceu em um dos dias mais quentes da temporada de incêndios no mercado acionário em Wall Street: um forte cheiro de queimado foi sentido em várias salas do prédio com vista para o Central Park, em Nova York, sede dos fundos comandados pelo megainvestidor George Soros. A luz oscilou, houve quem visse pequenas labaredas e os alarmes antifogo foram acionados. Foi tudo muito rápido e sem conseqüências, mas os executivos da equipe de Soros não esquecem. ?Era uma mensagem divina?, afirma um deles. ?Nós quase desejamos que tudo fosse queimado.? Naquele momento, a grande catástrofe desabava sobre um dos mais renomados endereços do mercado financeiro mundial: com as ações de tecnologia sendo reduzidas a cinzas nos pregões, dois dos principais fundos administrados por Soros tiveram perdas que chegaram a US$ 8 bilhões. Carbonizado pelos prejuízos, o braço direito do investidor, Stanley Druckenmiller, renunciou. O especulador foi a público anunciar sua conversão para o time dos conservadores, mas deixou no ar uma dúvida: como ele, sempre frio e calculista, se deixou chamuscar pelo entusiasmo com as empresas de Internet?

Do rescaldo emergem, agora, histórias de soberba, tensão e pânico nos bastidores do Quantum e do Quota, agressivos fundos da empresa de Soros. Foi Druckenmiller quem guiou-os para o mundo da tecnologia. E, como o capitão do Titanic, afundou com eles, a despeito das advertências de que o choque com o iceberg era iminente. Desde o final de 1999, o tema único das reuniões de executivos era: como se preparar para uma venda maciça das ações das empresas do setor. ?Eu não gosto desse mercado?, disse Druckenmiller no início de março, quando a chamada exuberância irracional ainda vivia sua plenitude. Sempre viajando, o chefe supremo participava por telefone e parecia afinado com seu homem de confiança.

No dia 15 de março, quando a bolsa eletrônica Nasdaq sofreu seu primeiro baque, o portfólio dos fundos de Soros estava repleto de ações das empresas da nova economia. Em dois meses, o Quantum perdeu um quarto de seus recursos e o Quota, quase um terço. Olhando para o passado, não havia como poupar Druckenmiller do sacrifício. Há 11 anos ao lado de Soros, foi ele quem convenceu o especulador a atuar numa seara que nenhum dos dois conhecia. A dupla havia até mesmo apostado contra a Internet (e perdido) no início de 1999. Foi então que Druckenmiller chamou Carson Levit, um respeitado administrador de fundos vindo do Vale do Silício. Soros o sabatinou por mais de oito horas. Mas concordou com a contratação. No primeiro momento, deu certo: o Quantum reverteu o prejuízo e fechou o ano passado com valorização de 35%.

Quando o terremoto começou, Soros tentou intervir. ?Ele passou a falar mais vezes conosco?, conta Levit. Um episódio em particular fez o especulador perder as estribeiras. O pivô da discórdia foi a VeriSign, empresa que produz sistemas de segurança para a Internet. Druckenmiller decidiu apostar na companhia e fez uma primeira aquisição a US$ 50 dólares a ação. No fim de fevereiro, ela valia US$ 258. Stan dobrou a aposta e, no início de março, seus fundos já possuíam US$ 600 milhões investidos nela. Quando a Nasdaq fraquejou, as ações caíram para US$ 135. Soros convocou seu imediato. ?A VeriSign vai nos matar?, disse. ?Vamos diminuir nossa exposição.? Druckenmiller não aceitou. ?Ela é diferente de outras companhias de Internet?, disse.

Não era. Em abril, havia despencado para US$ 96. Hoje, depois de uma lenta recuperação, está na casa dos US$ 150. O clima ficou insustentável e contaminou toda a equipe. No dia 18 de abril, Druckenmiller chegou estranho ao prédio de Soros. Ao cruzá-lo no corredor, Levit disparou um cordial ?como vai??. A resposta foi fulminante: ?Como vou? Nós simplesmente afundamos.? Em seguida, escreveu de próprio punho seu pedido de demissão, dando a deixa para o surgimento de um novo Soros, que, pelo menos para consumo público, será menos agressivo.