Ao serem cercados por inimigos nas batalhas, os soldados romanos faziam um círculo, levantavam seus escudos e se defendiam até a chegada de reforços. Essa formação, conhecida pelo nome latino de Orbe, é uma boa síntese do que os empresários brasileiros com dívidas em dólar vêm fazendo. Seus escudos são produtos financeiros que oferecem proteção contra os solavancos do câmbio, o chamado hedge cambial. Desde o início do ano, a demanda por essa proteção cresceu 20% ante o mesmo período de 2017. É fácil de entender o motivo. Nesse período, a moeda americana subiu de R$ 3,259 para R$ 3,701, uma alta de 11,9%, elevando a dívida das empresas.

Tamanha desvalorização do real não era esperada. Mesmo assim, temendo a incerteza devido às eleições de outubro, muitas empresas já vinham buscando proteção, inclusive aquelas que nunca tinham feito isso. Segundo Eric Altafim, diretor de mesas e produtos do Itaú BBA, a demanda por hedge pelas empresas de menor porte cresceu 63% entre janeiro e abril deste ano em relação a 2017. “Metade das empresas que atendemos nos últimos meses contratou hedge pela primeira vez.” O aumento da demanda é confirmado pelas estatísticas do Banco Central (BC). No fim de 2014, 46,7% da dívida externa das empresas e bancos, então em US$ 213,6 bilhões, não estava protegida. Em março deste ano, dado mais recente disponível, 78% dos US$ 236,4 bilhões em passivos internacionais conta com algum tipo de proteção.

CSN: a estratégia de hedge da siderúrgica é impedir que haja descasamento de prazos entre a data de pagamento das dívidas e a de recebimento das exportações (Crédito:Antônio Gaudério/Folhapress)

Para se protegerem, as empresas recorrem a derivativos cambiais. O mais comum é a compra de dólar no mercado a termo, que permite às empresas fixar antecipadamente a taxa de câmbio da moeda americana. A demanda disparou. Segundo a B3, bancos e empresas compraram 13.360 contratos em abril deste ano, uma alta de 74,2% em relação ao mesmo mês de 2017. O avanço do dólar em maio deve aumentar ainda mais a demanda. Outro motivo é que a queda dos juros barateou esse seguro cambial. Segundo Altafim, em abril de 2017, quando a Selic estava em 11,25% ao ano, o hedge para 12 meses custava 6,3% ao ano para o importador. Com a Selic a 6,5%, o custo caiu para 3% ao ano.

Outra opção de hedge são os contratos de swap, ou troca. Com eles, as dívidas em dólar das empresas passam a ser calculadas em reais, pagando juros. Esses contratos são oferecidos principalmente pelos bancos. Não há dados consolidados, mas a estimativa é de um avanço na demanda comparável ao registrado nos contratos a termo. A estratégia de proteção varia de acordo com as atividades da empresa. Companhias elétricas, que devem em dólares e recebem apenas em reais, são grandes consumidoras de hedge. É o caso da Neoenergia, controladora das distribuidoras Coelba, Celpe, Elektro e Cosern. Sua estratégia é usar swaps para converter para reais todos os compromissos em moedas estrangeiras. No fim de março, a dívida em dólar, equivalente a R$ 3,4 bilhões, estava integralmente coberta. “O custo do empréstimo já inclui o gasto com a proteção”, diz Sandro Kohler Marcondes, diretor de finanças e de relações com investidores.

Eric Altafim, diretor do Itaú BBA: a procura de hedge por empresas de menor porte cresceu 63% neste ano (Crédito:Luis Ushirobira/Valor)

Já a Petrobras, que deve em dólares, mas também fatura na moeda americana quando exporta seus produtos, faz hedge apenas para impedir descasamentos de preço ao longo do tempo. “A variação cambial das dívidas só vai afetar o resultado à medida que as exportações forem realizadas”, informou a estatal. “Não há um padrão para a utilização dessas operações.” Empresas como a CSN, em que 50% das receitas dependem das exportações, têm o chamado hedge natural. A estratégia, nesses casos, é impedir que descasamentos de prazo entre a data de pagamento das dívidas e o recebimento das exportações provoque prejuízos. No fim de março, a siderúrgica devia R$ 26,5 bilhões. Alinhada ao perfil das vendas, metade desse passivo é corrigida pelo dólar.

Vale a pena contratar hedge para sua empresa? Eduardo Guimarães, analista da consultoria independente Levante, afirma que o empresário deve analisar o perfil dos compromissos em dólar para avaliar a necessidade de proteção. Como esse seguro custa 3% ao ano, considerando o câmbio corrente de R$ 3,70, uma operação de hedge só vai valer a pena se o dólar para pagar a dívida superar R$ 3,81 daqui a 12 meses, uma alta de 2,9%. É uma boa hora para fazer as contas.