Falar de inovação e se apoiar na máxima de que “o mundo mudou…” é de uma obviedade paleolítica. Vamos combinar que não precisa ser nenhum Darwin para entender que a evolução está circulando nesse nosso mundo desde sempre. E, por isso, retiro meu foco dessa “variável constante” chamada mudança.
Trazendo o conceito do não tão recente livro “Organizações Exponenciais”, de Salim Ismail, o manda-chuva da Singularity, a exponencialidade talvez seja o grande fato que devamos focar no mundo pós-moderno.

É a partir dela que eventos e fenômenos até pouco tempo inimagináveis surgem: novos modelos de negócios que conseguem atingir nichos nos píncaros do mundo, a derrocada da mídia de massa, o surgimento de uma jornada de consumo infinitamente mais complexa e, não menos importante, a transferência de poder das empresas e suas marcas para o indivíduo. Não é à toa que o comportamento do consumidor foi apontado como um dos temas mais preocupantes para 60% dos CEOs, de acordo com a 22ª pesquisa global da PwC, divulgada em janeiro de 2019.

Mover uma companhia inteira da chamada “centralidade no produto” para a “centralidade no consumidor” é o novo básico. Não bastasse o CEO ter que olhar para a tal da transformação digital, ele também tem que mudar a mentalidade de toda a companhia caso não tenha construído uma ponte clara de engajamento com os usuários de suas marcas.

Frequentemente enxergo negócios inteiros deitados no berço esplêndido de desenvolvimento de produtos, se esquecendo de perguntar ao consumidor se aquele é mais uma commodity que está sendo lançada no mercado. No dia a dia, as decisões passam a ser menos pautadas pelo que o cliente deseja e muito mais por aquilo que a empresa considera ser o certo, com base em suas experiências passadas. Comportamentos assim têm apenas um destino: perda de relevância de marca e, consequentemente, perda de margem e valor.

O que dizimou a Kodak? O que exterminou a Blockbuster e tantas outras gigantes que conhecíamos? Suas (próprias) certezas e seus sucessos passados. O êxito das corporações leva invariavelmente à armadilha clássica e narcísica de amar mais a si próprios do que àqueles que as fizeram crescer: seus consumidores. Por isso, a mudança de mindset nas empresas do mundo pós-moderno se faz necessária. Não estou falando em um reparo em máquina, tampouco em ajustes nos processos internos. Estou falando de uma mudança estrutural de pensamento.

Nesse processo, é preciso iniciar uma espécie de desconstrução. Muitas vezes, perguntas aparentemente simples escondem verdades profundas. “O que faz sua empresa não dormir à noite?”, por exemplo, é uma forma de entender quais são os problemas da empresa, mas de uma maneira diferente, que não leve a respostas automáticas ou conhecidas. Driblar o óbvio, o natural, o confortável, faz com que os executivos repensem suas certezas e o relacionamento com os consumidores. Entender as preocupações da empresa a partir de novos ângulos permite destruir barreiras preconcebidas e respostas prontas.

Como despertar a companhia e seus stakeholders para um novo olhar? Técnicas mais modernas do marketing 4.0, citadas por Philip Kotler, já apontam caminhos promissores, como workshops colaborativos e baseados em design thinking, desenvolvidos com toda a cadeia de valor da empresa, estruturação do negócio dentro dos princípios do Capitalismo Consciente e terapias empresariais com técnicas não-cognitivas baseadas em psicanálise. Essas são apenas algumas das possibilidades já disponíveis para as corporações. Basta um sinal positivo da liderança para a mudança de mindset orientada à inovação começar legitimamente – de dentro para fora.

(*) Ulisses Zamboni é presidente da agência de comunicação
e marketing Santa Clara, parceira do grupo M&C Saatchi,
e conselheiro de comunicação do Instituto
Capitalismo Consciente.