O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou nesta segunda-feira (19) por 6 votos a 5 a inconstitucionalidade do chamado orçamento secreto. Além disso, o ministro Gilmar Mendes determinou, via liminar, que despesas de programas sociais como o Bolsa Família fiquem fora do teto de gastos. 

As duas decisões significaram uma grande vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP). O cientista político Alberto Carlos Almeida explica que o poder de barganha de Lira diminui, ao mesmo tempo que o poder do governo eleito aumenta. 

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“Nos dois casos há uma imediata redução do poder de barganha do presidente da câmara. Porque ele é o beneficiário direto do orçamento secreto e o governo eleito tinha na PEC um grande desejo de fazê-la ser aprovada para o pagamento do Bolsa Família. Agora, ele deixa de ter esses instrumentos”, explicou.

Com o fim do mecanismo do orçamento secreto, o professor também acredita que os parlamentares vão atrás de outras formas de obter mais recursos, o que pode significar uma nova negociação com o poder executivo.  

O que foi decidido pelo STF? 

O chamado orçamento secreto também ficou conhecido como emendas do relator, ele é um mecanismo criado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em que uma fatia do Orçamento-Geral da União é feita de forma sigilosa, a partir de acordos políticos.

O esquema foi revelado em matérias do jornal O Estado de S. Paulo, em 2021. Em três anos, esse dispositivo consumiu mais de R$ 50 bilhões dos cofres públicos. Logo após a publicação das matérias, Cidadania, PSOL, PSB e PV questionaram a prática no STF.     

O doutor em Direito Constitucional pelo IDP-DF Acácio Miranda da Silva Filho explica que a falta de transparência foi o que a corte levou em consideração para a questão da inconstitucionalidade do mecanismo.  

“Foram alguns os argumentos utilizados pelo STF, especialmente que o orçamento secreto ofende dois princípios constitucionais. O primeiro é o princípio da publicidade, que diz que todos tem acesso aos atos praticados pela administração pública, seja através da sua esfera executiva, seja através da sua esfera legislativa. Em segundo lugar, há uma ofensa ao princípio da moralidade, uma vez que em não havendo a publicidade dos atos, por mais que eles num primeiro momento não sejam ilegais, há uma imoralidade no sentido da população não ter acesso nos fundamentos que levam a prática destes atos e dos recursos através destes atos”, explicou. 

No entanto, sobre a decisão do ministro Gilmar Mendes em tirar o Bolsa Família do Teto de Gastos, o professor de Direito Constitucional Fabio Tavares Sobreira, afirmou que nesse caso a corte pode ser acusada de legislar no lugar do Congresso Nacional. 

“Ao declarar inconstitucional o orçamento secreto, o STF está sim exercendo sua competência e de fato guardando por nossa Constituição. Agora diante da decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes que determinou que os recursos destinado ao pagamento do Bolsa Família podem ser garantidos a partir da abertura de crédito extraordinário e que as despesas que estão fora das limitações impostas pelos teto de gastos é absolutamente contrária ao da separação dos poderes. A corte pode apenas se pronunciar sobre atos legislativos, comandos normativos contrários à constituição. Mas não pode gerir a máquina pública, não pode legislar, conduzir ou administrar o estado brasileiro”, criticou.

Qual o futuro de Lira? 

Dentro do mundo político era dada como certa a reeleição de Arthur Lira à Presidência da Câmara no próximo dia 1º de fevereiro. Com essas duas derrotas, porém, Almeida afirma que novos candidatos fortes podem surgir. 

“Pode acontecer, não é algo obrigatório, mas é óbvio que o mundo político olha isso como uma oportunidade de desafiar o Arthur Lira. O Lula seguiu, em seus governos anteriores, uma postura de não tentar influenciar diretamente a eleição da Presidência da Câmara e do Senado. Mas isso não significa que o PT possa ter alguma simpatia, que faça alguma aliança, que não possa surgir um desafiante com mais poder, um candidato do União Brasil, por exemplo. Antes dificilmente surgiria esse nome, agora existe essa possibilidade”, encerrou.