SABE AQUELE CARRO ZERO COM CONDIÇÕES DE pagamento imperdíveis e prestações a perder de vista que você comprou? Ou então aquele apartamento incrível que você conseguiu financiar em 2008? Pois é. O aumento do crédito tornou possível o sonho de muitos brasileiros nos últimos dois anos. Mas também fez nascer o pesadelo de tantos outros. O endividamento da população já começa a preocupar. De acordo com o Banco Central, o cheque especial bateu recorde de utilização em julho. Os bancos emprestaram a seus clientes R$ 20,7 bilhões no mês nesse tipo de operação, número 12,3% maior do que no mesmo período de 2007. O aquecimento do consumo em todos os setores impulsionou a alta. Com isso, muitos brasileiros utilizaram a facilidade do produto para tentar equilibrar o orçamento já comprometido por parcelas de outros financiamentos. Se esse é o seu caso, fique atento. O cheque especial pode comprometer sua renda mais do que você imagina.

Os juros cobrados nessa modalidade de crédito estão entre os maiores do mercado. Segundo a pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) do mês de julho, os 145% ao ano abocanhados pelos bancos só não ultrapassam os juros do cartão de crédito (228%) e das financeiras (261%), que encabeçam a lista de cobradoras de juros abusivos. Ainda assim, as pessoas continuam utilizando o serviço em vez de recorrer ao crédito pessoal que, mesmo cobrando tarifas ainda expressivas, acaba pesando menos no bolso. A entidade informa que o valor anual para o empréstimo pessoal chega a 87%, em média. Já o Crédito Direto ao Consumidor (CDC) consegue tarifas de aproximadamente 44% ao ano. É a melhor opção quando se trata da compra de veículos ou outros bens em que o destino do empréstimo pode ser comprovado antes de ser contratado. Quando sua conta-corrente entrar no vermelho e você, por comodismo, utilizar o limite pré-aprovado pelo banco, faça o cálculo antes. Sentar na mesa do gerente bancário para pedir empréstimo pode não ser a alternativa mais cômoda, mas certamente a conta sairá menor. “Não significa que o empréstimo pessoal seja barato. Mas as pessoas geralmente não fazem essa conta quando entram no limite. Entram porque é mais fácil, já está ali”, diz o professor de finanças Humberto Rocha, do Ibmec-SP.

Como conseqüência do endividamento da população, a Serasa divulgou na última semana números nada agradáveis sobre a inadimplência no semestre. A alta foi de 6,6% entre janeiro e agosto de 2008, em relação ao mesmo semestre do ano anterior.

Para a entidade, 43% da contas nãopagas provêm de dívidas bancárias, incluindo, principalmente, o cheque especial. O resultado disso? Aumento do risco na concessão de crédito, o que, conseqüentemente, aumenta os juros. “Em um ambiente onde já há uma política monetária de elevação dos juros básicos, a inadimplência subindo duplica esse efeito”, explica Carlos Henrique de Almeida, assessor econômico da Serasa. No primeiro semestre de 2007, o órgão apontava uma queda da inadimplência de 1,1%. O número negativo, porém, durou pouco. “Isso está corroendo o poder aquisitivo da população. Todo cuidado é pouco”, alerta.

Ainda de acordo com a Serasa, o não pagamento de cartões de crédito é responsável por 32,5% da inadimplência no período de janeiro a agosto. E, segundo o Banco Central, somente em julho as compras parceladas no cartão, somadas ao crédito rotativo, atingiram R$ 10,7 bilhões, um valor 33% maior do que o mesmo período de 2007. O espírito consumista e endividado que parece não se descolar da rotina dos brasileiros tem até explicação científica. Uma pesquisa desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Nova York e de Maryland, nos Estados Unidos, mostrou que as pessoas tendem a gastar mais quando pagam com cartão de crédito do que quando pagam com dinheiro vivo. Os resultados foram publicados na edição de setembro do Journal of Experimental Psychology: Applied, publicação da Associação Americana de Psicologia. Quando o assunto é dívida, Freud também explica.