Entre idas e vindas na busca de um substituto para o Ministério do Trabalho, no início do ano, o presidente Michel Temer nomeou ao cargo a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), num ato de desagravo ao ex-deputado Roberto Jefferson, pai da parlamentar e presidente do partido aliado, considerado essencial para a aprovação da reforma da Previdência. A posse estava marcada para a terça-feira 9, mas foi adiada pela Justiça por pendências trabalhistas acumuladas por Cristiane. O nó político que se formou em torno de todo o episódio é o mesmo que impõe ao Planalto dificuldades em aprovar no Legislativo projetos necessários para melhorar as contas públicas nacionais e que vem adiando a revisão no sistema de aposentadorias.

Para a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P), a chance de insucesso nesse processo aumentou consideravelmente e, somado às incertezas das eleições, justificam uma piora na avaliação de crédito do Brasil. A nota do País foi rebaixada na quinta-feira 11 de BB para BB. A hipótese de deterioração já era considerada no mercado e foi acentuada diante das discussões públicas sobre a possível revisão da regra de ouro. Trata-se de um instrumento constitucional criado para impedir que o governo use empréstimos para sustentar a máquina pública. Numa comparação simplificada, seria uma trava para uma família que pretende usar o cheque especial para uma despesa corrente da casa, como a escola do filho.

Numa empresa, a alusão é com a linha de capital de giro. “Quando está mal e as receitas não estão cobrindo as despesas, precisa de capital de giro, que é mais caro”, diz o professor da FGV, Gustavo Fernandes. Poucas empresas e famílias descapitalizadas teriam sobrevivido à recessão de três anos sem o limite de cheque especial. O problema é que o uso excessivo do cheque especial e do capital de giro pode gerar uma bola de neve perigosa em direção à insolvência. A discussão foi levantada a partir da identificação da necessidade de até R$ 200 bilhões adicionais pelo governo em 2019 – recursos do BNDES devem garantir o cumprimento neste ano (leia mais ao final da reportagem).

Agora, não: o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou na segunda-feira 8 que a discussão sobre a regra de ouro ficará para depois (Crédito:Fernando Frazão/Agência Brasil)

O debate tornou-se público em meio a divergências entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ambos pré-candidatos à Presidência. Na segunda-feira 8, Meirelles anunciou que o tema ficará para mais adiante e que o foco agora é a reforma da Previdência. No comunicado, a S&P afirma que os atrasos na votação da reforma sinalizam uma perda de apoio no Congresso e cita como exemplo a derrota do projeto para aumentar a contribuição previdenciária de servidores. “Esses eventos evidenciam a resistência da classe política em enfrentar correções fiscais ”, diz a agência. “Os recentes debates públicos sobre a regra de ouro reforçam esse problema.”

O rebaixamento escancara uma fragilidade já conhecida das contas públicas, um sinal amarelo de que é preciso mais urgência no tema. “Obviamente mostra uma incapacidade do governo de resolver o problema fiscal”, afirma Marcos Mollica, sócio-gestor da Rosenberg Investimentos. Em nota, o Ministério da Fazenda reforçou o compromisso com a consolidação fiscal e destacou a possibilidade de revisão do rebaixamento com a aprovação das reformas. Até lá, a percepção negativa de que o Brasil ficou mais arriscado se traduzirá numa piora de indicadores financeiros, como alta do dólar, da inflação e dos juros. O risco é de contágio no ainda frágil processo de retomada e de um temor maior sobre os rumos do País a partir de 2019.


O dinheiro volta ao caixa da Viúva

A forma adicional encontrada pelo governo para abater a dívida pública foi antecipar parte do pagamento devido pelo BNDES ao Tesouro Nacional. A dívida é fruto do período de forte crescimento na atuação do banco em empréstimos ao setores privado e público. De 2008 a 2015, foram repassados à instituição pouco mais de R$ 500 bilhões. Somente no ano passado, foram devolvidos R$ 50 bilhões ao Tesouro. Nos cálculos do Ministério Público de Contas, o saldo devedor ainda supera os R$ 400 bilhões.

As operações enfrentam resistência por parte de representantes do banco, incluindo o presidente, Paulo Rabello de Castro, que chegou a se posicionar publicamente contra a medida. Eles alertam para possíveis prejuízos operacionais e risco de desenquadramento nas regras de solidez do sistema bancário. Na peça orçamentária deste ano, há previsão de R$ 130 bilhões em devoluções. “Num momento difícil como esses, num contexto em que o BNDES teve um grande crescimento, é um recurso válido”, afirma Gustavo Fernandes, professor da FGV. Ele alerta, porém, para o risco de que o espaço fiscal aberto com o abatimento de dívida seja usado para gerar novas despesas.