Ao tentar desatar o nó do setor elétrico, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sabe que se trata de um importante passo para reduzir a desconfiança do setor privado em relação ao governo, com reflexos negativos nos investimentos. Em café da manhã com jornalistas, na terça-feira 13, para apresentar os novos secretários e as prioridades de cada um neste início de governo, a equipe da Fazenda afirmou que o governo não irá mais socorrer as empresas para evitar aumentos na conta de energia, como fez no ano passado. “Não haverá mais aporte do Tesouro Nacional para esse setor”, disse Marcelo Saintive, secretário do Tesouro Nacional.

“Isso mostra a preocupação do governo com o realismo tarifário: acertar esses aspectos traz tranquilidade e confiança”, reforçou Levy. Para o ministro, o governo tem duas opções: jogar a conta no colo dos consumidores ou empurrá-la para os contribuintes. “Só que é menos eficiente ser suportada pelo contribuinte”, afirmou. Sem os subsídios dados pelo governo e com a energia cada vez mais cara devido à falta de chuvas, a conta irá diretamente para o bolso dos consumidores, sejam residenciais, sejam industriais. A estimativa é de um aumento entre 30% e 40% neste ano, com impacto num índice de inflação que, segundo as previsões do mercado, ficará acima do teto da meta, de 6,5%.

Na semana passada, o governo tentou fechar essa equação. Na segunda-feira 12, a presidenta Dilma Rousseff se reuniu no Palácio do Planalto com Levy, seu colega de Minas e Energia, Eduardo Braga, e com o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Rufino. Dilma deu sinal verde para que a Fazenda negocie um novo empréstimo às distribuidoras de energia e para o fim dos aportes do Tesouro à Conta de Desenvolvimento Econômico (CDE), mas sem incluir recursos públicos. A CDE é o “superfundo” que banca todos os subsídios do setor e hoje carrega déficit de R$ 3 bilhões.

Na terça-feira 20, a Aneel se reúne para definir como esse déficit será financiado, mas já está certo que ele será pago diretamente pelo consumidor. Neste ano, começam a vencer as primeiras parcelas do empréstimo de R$ 17,8 bilhões contraído pelas distribuidoras de energia no ano passado para cobrir o elevado custo das usinas termoelétricas, que produzem energia mais cara e mais poluente. O setor espera prazos maiores, o que também aliviaria a pressão sobre as tarifas, em 2015. Mas o rombo é ainda maior. As empresas devem contrair um novo empréstimo de R$ 2,5 bilhões até o final do mês para cobrir as despesas remanescentes de 2014, pois o custo com as térmicas foi ainda maior do que o previsto.

Em 2013, as mudanças nas regras do setor elétrico, com a renegociação dos contratos com as concessionárias, resultaram numa redução média de 20% nos preços da energia. A medida foi anunciada com pompa e circunstância em cadeia de rádio e televisão por Dilma. A intervenção do governo incomodou o setor privado e ajudou a colar na presidenta a marca de “intervencionista”, o que afastou novos investimentos no setor. Mas a redução da tarifa teve vida curta. Parte da economia efetuada já foi anulada no ano passado, quando a energia elétrica subiu 17%, segundo o IBGE.

Já a indústria, que compra diretamente de geradoras ou comercializadoras, no chamado mercado livre, foi ainda mais afetada, pois os preços dispararam. Agora, novos aumentos são esperados. Para o presidente-executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, o fim dos aportes do Tesouro “acirra as condições de falta de competitividade do setor produtivo brasileiro”. No início do mês, o empresário Jorge Gerdau pediu ao ministro Eduardo Braga uma equiparação do preço da energia praticado no Brasil ao do mercado internacional, lembrando que são os impostos que encarecem a conta.

“A carga tributária no Brasil para a energia é muito alta e isso precisa ser atacado”, disse Gerdau. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) dá razão ao empresário gaúcho, ao mostrar que o custo da energia para a indústria brasileira é o sexto mais alto entre 27 países analisados, três vezes mais caro do que o observado nos Estados Unidos. Para muitos especialistas do setor privado, a intervenção do governo foi a origem dos problemas. “Não foi somente um problema hidrológico”, diz o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), Mario Luiz Menel.

“O governo deu um sinal equivocado de preço, porque quando uma mercadoria é escassa o preço deveria subir, não cair.” No Palácio do Planalto, os defensores da redução de 2013 alegam que ninguém conseguiria prever um período tão seco como o do ano passado, e que sem as mudanças o custo da energia hoje seria ainda maior. Em dezembro de 2014, o nível dos reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste era 55% menor do que no mesmo período de 2013, de acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Em meio a tantos problemas, o ano pode trazer uma boa notícia. Com o vencimento, em julho, das concessões de usinas da Cesp, Cemig e Copel, que suprem cerca de 8% da demanda nacional, o governo espera fazer novas licitações e obter uma redução de até 70% nos preços. Por enquanto, no entanto, a devolução de algumas usinas da Cemig, em Minas Gerais, está suspensa por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça. Mas a redução, se houver, atingirá apenas uma pequena parcela da energia gerada no País. De qualquer modo, 2015 será o ano em que o ajuste cobrará o seu preço também no setor elétrico.