Há centenas de milhares de anos atrás, nossos ancestrais tinham uma relação íntima com o ambiente em que habitavam, o que ajudava a moldar onde e como eles viviam. Mas como exatamente as mudanças climáticas – por exemplo, quando um rio secava, ou quando as pastagens e rebanhos diminuíam – afetavam os humanos antigos?

Com ossos, ferramentas de pedra e outros artefatos, é possível elucidar como os hominídeos eram, e como eles se comportaram ao longo do tempo.

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Contudo, assim como é difícil encontrar um crânio de 300.000 anos atrás, pode ser ainda mais desafiador descobrir evidências tangíveis que demonstrem como os habitats em que esses humanos viviam de fato eram – especialmente porque as mudanças climáticas alteraram esses locais inúmeras vezes ao longo do tempo.

Mas agora os cientistas criaram um supercomputador que simula um modelo do clima global, assim como suas mudanças, e que consegue fazer análise de até dois milhões de anos atrás.

Os pesquisadores parearam essa simulação “paleoclimática” com evidências reais de milhares de ossos de humanos antigos e ferramentas de pedra para descobrir quais eram as condições onde eles se encontravam.

Então, eles mapearam a possível distribuição e movimentação de cinco espécies importantes de hominídeos – inclusive a nossa, Homo sapiens – baseando-se em onde e quando os habitats favoráveis poderiam ter existido.

Os resultados sugerem que mudanças climáticas drásticas tiveram um papel fundamental em mudanças evolucionárias importantes, como a origem da nossa própria espécie.

O modelo que simula as mudanças climáticas ocorridas há milhões de anos atrás

Nos últimos 25 anos, os cientistas vêm se interessando pela maneira que condições ecológicas variáveis e as mudanças climáticas, como secas ou temperaturas muito baixas, ajudaram a guiar a evolução.

A ideia é que a necessidade de sobreviver em ambientes diferentes teria favorecido humanos com mudanças genéticas, que por sua vez os teria feito mais adaptáveis e, portanto, mais capazes de sobreviver em uma ampla variedade de condições.

Todavia, explorar essa teoria é difícil. É possível extrair registros climáticos de núcleos de gelo e sedimentos oceânicos, mas é difícil encontrar tais evidências nos sítios paleontológicos onde os cientistas acharamm evidências sólidas dos estágios da nossa jornada evolutiva.

Axel Timmermann, diretor do IBS Center for Climate Physics, na Universidade Pusan, Coreia do Sul, liderou uma equipe usando o ICCP/IBS Supercomputer Aleph para simular a história da variabilidade climática global nos últimos dois milhões de anos.

A órbita elíptica da Terra em torno do sol muda durante períodos entre 100.000 e 400.000 anos, no que se chama de ciclos de Milankovitch. Junto a isso, as oscilações periódias no eixo da Terra fazem com que os níveis de radiação solar que recebemos varie, o que causa mudanças climáticas naturais no planeta.

Essas mudanças ocorrem numa escala de tempo muito maior do que a das mudanças climáticas atuais, caso onde a atividade humana desempenha um papel importante.

O papel das mudanças climáticas na evolução humana

O modelo de simulação climática ajudou a esclarecer as condições essenciais que os humanos teriam precisado para prosperar, como os níveis de precipitação, temperatura e vegetação.

Considerando os ossos e pedras do estudo, Pasquale Raia, da Universidade de Nápoles, construiu uma base de dados vasta, catalogando mais de 3.2000 fósseis humanos e artefatos arqueológicos da África, Europa e Ásia.

Isso trouxe evidências da distribuição conhecida de cinco espécies (H. erectus, H. heidelbergensis. H. neanderthalensis, H. sapiens. e o “Homo Africano Primitivo”, uma combinação do H. ergaster e H. hablis), e do período em que elas habitaram em determinda região.

Comparando os modelos da simulação com as condições climáticas existentes nos locais e períodos onde os fósseis foram de fato encontrados, o grupo pôde identificar em quais habitats cada espécie teve sucesso. Então, os pesquisadores mapearam outros lugares, com um clima parecido, onde eles poderiam ter vivido.

Algumas espécies, como a H. ergaster e a H. hablis hipoteticamente viveram em uma variedade menor de condições. H. Sapiens e H. Erectus, por sua vez, tiveram a maior diversidade de habitats. Segundo Timmerman, isso “pode tê-los permitido a se tornarem andarilhos globais, alcançando regiões remotas no nosso planeta”.

Michael Petraglia, diretor do Australian Research Centre for Human Evolution, da Griffit University, aponta que o mapa lhe sugere que “essas espécies podem ter desenvolvido uma variação de adaptações culturais, o que as permitiu sobreviver, por exemplo, em ambientes frios ou altamente sazonais”.

“O fogo e o desenvolvimento de armamento mais sofisticado para caça são exemplos de inovações culturais que provavelmente aprimoraram sua sobrevivência”, acrescenta Petraglia, que não esteve envolvido no estudo.

Mas sobreviver nem sempre era fácil, ou até mesmo possível. Alterações drásticas no ambiente, como secas, podem ter reduzido populações locais, principalmente nas espécies mais vulneráveis, pouco adaptáveis a habitats diferentes.

Esses eventos podem ter causado um determinado grupo genético a diminuir em tamanho e diversidade ao passo que seus membros morriam. Os sobreviventes podem ter continuado graças a vantagens genéticas, que se tornariam preponderantes no grupo em questão, sendo passadas em seguida para os descendentes.

Algumas dessas mudanças genéticas podem ter sido tão significativas que compreendiam parte da transição de uma espécie hominídea antiga para outra.

Os resultados intrigantes do modelo

Até então, quando os mapas habitacionais do modelo foram comparados com evidências arqueológicas, antropológicas e genéticas, suas informações acerca da nossa jornada evolucionária foram correspondentes entre si, o que comprova sua acuracidade.

Usando o modelo, os autores sugerem que as populações sul-africanas do H. Heidelbergensis passaram por dois períodos (360.000 a 415.000 anos atrás e 310.000 a 340.000 anos atrás) onde sua aptidão para diferentes habitats foi reduzida.

O retorno de habitats de alto valor, de 200.000 a 300.000 anos atrás, corresponde com o desaparecimento dessa espécie, e com o surgimento do Homo sapiens.

Se o H. Heidelbergensis era nosso ancestral, e nós surgimos num período de especiação entre 200.000 e 300.000 anos atrás, as condições favoráveis à ambas as espécies devem ter se sobreposto durante essa época. E isso é exatamente o que os modelos climáticos sugerem ter ocorrido na África do Sul, por exemplo.

O modelo impressiona, mas ainda há muito a ser feito. Se as mudanças em precipitação, temperatura e produção vegetal impactaram os humanos, elas também teriam tido um impacto evolucionário em espécies de mamíferos grandes, por exemplo.

Explorar esses impactos ecossistêmicos é uma das formas pelas quais as hipóteses do modelo climático podem ser testadas futuramente, talvez revelando nossas ideias e compreensões acerca da evolução das espécies.