Como a Ecometano ganha dinheiro com o lixo
A Ecometano aposta no metano existente em aterros sanitários e nos rejeitos da produção de açúcar para ganhar dinheiro. Saiba como

Engenheiro de formação, Carlos de Mathias Martins Junior fez carreira no mercado financeiro até ingressar no segmento de energias renováveis.
Os lixões e aterros sanitários espalhados pelo Brasil afora escondem verdadeiros tesouros. E não se trata apenas de papel, alumínio, embalagens plásticas e outros itens recicláveis que já encontram mercado no sistema industrial de reciclagem. Falamos aqui da parcela orgânica composta de restos de alimentos e de plantas, cuja decomposição dá origem a dois elementos altamente danosos: o chorume, o líquido tóxico que contamina o lençol freático, e o gás metano, arqui-inimigo do clima, pois é 21 vezes mais prejudicial no caso do efeito estufa do que o dióxido de carbono. E é exatamente nesta espécie de patinho feio que o empreendedor Carlos de Mathias Martins Junior, 52 anos, está fazendo sua maior aposta: a Ecometano, primeira empresa do Brasil a atuar com Gás Natural Renovável (GNR) especificado segundo os parâmetros da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O metano é coletado no Aterro Sanitário Municipal Oeste de Caucaia, situado na Região Metropolitana de Fortaleza, passa por um processo de purificação e depois é despachado para o gasoduto operado pela Companhia de Gás do Ceará (Cegás). O fornecimento é no modelo take or pay, no qual a Ecometano é remunerada havendo o consumo ou não. A capacidade produtiva atual de 80 mil m³ deverá quase dobrar, para 150 mil m³, até o final de 2020, o que vai permitir um faturamento bruto anual de R$ 60 milhões.
A unidade batizada de GNR Fortaleza consumiu R$ 100 milhões e faz parte de um audacioso projeto comando por este paulistano graduado em engenharia e que possui uma trajetória bastante peculiar. O interesse pela ecologia surgiu em 1998, quando foi destacado para acompanhar a Conferência das Partes, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Buenos Aires. Saiu de lá encantado com as possibilidades do setor de energias renováveis, em especial com o mercado de crédito de carbono que, na prática, viabiliza projetos ambientais a partir do pagamento (expresso na compra de títulos) feito por empresas poluidoras ou governos.
Na época, Carlos de Mathias morava em Londres e trabalhava como estrategista num fundo de derivativos. De volta a São Paulo, dois anos mais tarde, ele se associou a uma consultoria global especializada na compra e venda de créditos de carbono. Sua atuação estava ligada à subsidiária da americana Bunge e constituía na mitigação do passivo ambiental de criadores de suínos, clientes da empresa e baseados no Rio Grande do Sul. “Chegamos a instalar 40 biodigestores na região”, lembra. “O armazenamento do metano rendia crédito de carbono aos investidores e eletricidade para os granjeiros”. A crise financeira de 2008, no entanto, jogou o mercado de créditos de carbono no chão, inviabilizando esse o modelo de negócio.
Apesar disso, ele não desistiu do filão de projetos ambientais e voltou os olhos para o setor de energia eólica e às Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Para esta empreitada, o empreendedor fundou a EcoPart Investimentos e a Omega Energia, que assumiu projetos eólicos no Piauí e no Rio de Janeiro, orçados em R$ 260 milhões. “Os parques eólicos foram adquiridos pelo valor simbólico de R$ 1, porque os antigos controladores não desejavam continuar no negócio”, conta.
Choque de ideias
A decisão de apostar no biogás acabou colocando Carlos de Mathias em rota de colisão com os sócios. O divórcio, segundo ele, amigável, se deu em 2014. Desde então, ele está focado no segmento de GNR, dividido em duas vertentes: o insumo proveniente de aterros e o obtido a partir da decomposição de substratos do segmento sucroalcooleiro. “Minha ambição é transforar o biogás num produto mais sofisticado, passível de ser usado nos mais diversos processos industriais”, explica. “Hoje, o produto é basicamente queimado, para gerar energia elétrica”.
O plano de negócios desenhado pelo investidor para a Ecometano é bastante otimista. Pelas suas contas, o potencial de captação do gás extraído da decomposição da vinhaça, subproduto das usinas de cana-de-açúcar do Estado de São Paulo, equivale a 30% do volume despachado pela Comgás, concessionária que atua na Grande São Paulo. Com a vantagem de que a produção do gás se daria numa região não atendida por nenhuma empresa, podendo se tornar um substituto natural do óleo combustível, derivado do petróleo.
Enquanto não viabiliza os contratos com o setor sucroalcooleiro, o empreendedor fortalece a vertente de biogás oriundo de aterros. Sua ideia é utilizar a usina instalada no Ceará como vitrine para convencer prefeitos e concessionários de lixo a assinarem contratos de parceria para captação e distribuição de GNR. Especialmente na rica região Sudeste. O foco está nas cidades de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Mas e São Paulo? “Já conversei com todos os concessionários do setor, mas ninguém se interessou”, lamenta. “Eles são refratários a qualquer coisa além da operação do espaço como depósito de resíduos”.
Lixo é ouro
Nada que desanime o financista e ecologista bissexto que continua botando fé no potencial energético dos aterros. Segundo Carlos de Mathias, os 3,8 mil lixões e aterros controlados, existentes no país, têm potencial de gerar seis milhões de m³ por dia de GNR. A preços de hoje, isso representaria um faturamento bruto de R$ 10 milhões (cerca de R$ 3,6 bilhões por ano). “O GNR não vai substituir o petróleo. Contudo, ele pode funcionar como um importante elemento na transição para uma economia de baixo carbono”, explica.
Isso porque, além de substituir o óleo combustível e o gás natural, derivados de petróleo e usados em indústrias, o GNR também pode alimentar a frota de veículos a gás, hoje abastecida com o Gás Natural Veicular (GNV), outro combustível fóssil e não renovável. O projeto-piloto neste segmento está rodando no Aterro Dois Arcos, em São Pedro da Aldeia (RJ), onde a Ecometano opera uma planta de produção de GNR que abastece dois postos de combustível.