Quem já teve a oportunidade de ver Caito Maia em ação no programa Shark Tank Brasil provavelmente desconhece os desafios superados pelo empresário à frente da Chilli Beans, maior rede especializada em óculos escuros da América Latina. Um dos tubarões, ou melhor, jurados da atração do Sony Channel, o paulista teve de enfrentar a rejeição de bancos, a desconfiança dos clientes e os altos e baixos da economia, inclusive mundial, para transformar em potência a marca com o nome inspirado em pimenta, condimento essencial no cardápio do fundador. E pode-se dizer que a especiaria tem esquentado os resultados.

Em 2022, após 25 anos de atividades, a Chilli Beans atingiu a receita de R$ 1 bilhão, recorde que deve ser quebrado novamente este ano. “Esperamos faturar no mínimo R$ 1,2 bilhão em 2023”, disse ele à DINHEIRO.

A receita para o crescimento da Chilli Beans envolve inovação, qualidade, variedade, custo e, principalmente, pessoas. Ou comunidade, como o empresário faz questão de salientar. “Comunidade agrega o respeito às pessoas, entende as pessoas que querem chegar, tira o melhor das pessoas, respeita as pessoas, é diversa de verdade”, afirmou Maia. “O maior segredo do sucesso da Chilli Beans é isso.”

A estratégia da marca para a expansão

O atendimento dedicado aos colaboradores, segundo o executivo, reflete o sucesso nos negócios e embala o desenvolvimento de projetos que incluem parcerias com artistas e instituições, metas ESG, inteligência artificial e, especialmente, expansão dos pontos de vendas (PDVs) pelo Brasil e além das fronteiras. No total, são 1.061 unidades, o que inclui PDVs em toda a América do Sul, Estados Unidos, Oriente Médio, Ásia, Oceania e Portugal.

A meta é em até cinco anos chegar a 3 mil estabelecimentos comerciais pelo mundo. Todos franqueados. Atualmente, está em um terço dessa ambição – são 262 lojas em shoppings, 231 em ruas, 255 quiosques, 15 Eco Chilli (contêineires), 30 no exterior, 238 óticas, além de 30 outros canais. A expectativa é que 190 unidades entrem em operação este ano, contra 154 no ano passado.

No plano internacional a expansão foi reforçada em acordo com o Grupo Hirmer, um dos mais tradicionais varejistas de moda da Alemanha. A parceria prevê a abertura de 64 lojas físicas e de um e-commerce na Europa. “São três gerações da família. Os caras têm 60 hotéis. É um grupo gigantesco.” O Hirmer vai abrir unidades também por Áustria, Luxemburgo e Suíça.

Os projetos de crescimento são baseados na customização

No Brasil, a expansão planejada pela bandeira envolve principalmente a abertura de lojas 100% voltadas a óculos de grau, a Ótica Chilli Beans, inaugurada em 2019. Um estudo de mercado revelou que o consumo de óculos de receituário é quatro vezes maior do que o de sol e que, no Brasil, pelo menos 25% dos cerca de 216 milhões de habitantes têm problemas de visão.

E a marca espera aproveitar a oportunidade. “Quero ser o líder do segmento no Brasil”, disse o CEO, que aposta na experiência diferenciada em relação às concorrentes, além de um mercado com 22 mil ópticas, para conquistar clientes e, consequentemente, mercado. “Eu dou uma experiência completamente diferente das demais ópticas, a minha é totalmente customizada.”

A iniciativa inclui desde o atendimento à proposta de temas, como a de uma coleção inspirada no café, na qual o pó do grão foi introduzido nas hastes dos óculos. “Experiências como essa só a gente entrega. E elas estão fazendo uma grande diferença”, disse o empresário.

Ele cita que em dois anos de atividade já teve unidade que alcançou o faturamento de uma ‘loja vermelha’ (foco em solar) que está em atuação há 20 anos.

As apostas que devem dar ganho de market share

A expectativa de crescimento é tanta que, nos próximos cinco anos, a Chilli Beans pretende inaugurar 1 mil ópticas e ampliar o faturamento dessa vertical que, em 2022, correspondeu a 16% do total. A aposta está também na Chilli Vision, a lente de grau própria e “com tecnologia alemã”.

Os planos de crescimento para os demais modelos de vendas também estão definidos para o período de cinco anos. A Chilli Beans pretende chegar a 1,1 mil lojas vermelhas, 800 Eco Chilli (400 ainda este ano) e 200 pontos fora do Brasil.

Com tantos projetos em desenvolvimento a marca espera dar sequência ao ganho de market share. Nos cinco anos anteriores a 2022, a empresa, líder no mercado de óculos escuros, viu a participação de mercado crescer 4,1 pontos porcentuais (de 13,3%, em 2017, para 17,4%, em 2021) enquanto a principal concorrente, a vice-líder Ray-Ban, perdeu 0,5 (caiu de 11,6% para 11,1%). Os números de 2022 ainda não foram consolidados.

A Chilli Beans desenvolveu recentemente uma campanha institucional com a utilização de inteligência artificial. O mote foi ‘Se não tem, a gente inventa’. (Divulgação) (Crédito:Divulgação)

Como a Chili Beans constrói sua estratégia

O aumento do market share e do número de lojas está respaldado por uma produção anual de 4 milhões de óculos. O material é fabricado na China, mas todo o desenvolvimento é realizado na sede da Chilli Beans em Alphaville, na Grande São Paulo.

“Fazemos as coleções em cima de muitos dados, de muita estratégia. Toda semana eu lanço uma coleção que atende a todos os consumidores.” A companhia promove pesquisas de mercado, observa tendências, participa de feiras pelo mundo, além de ter o suporte de parceiros chineses. “A atualização é constante.”

Questões econômicas (Custo Brasil) e de capacidade instalada ainda são vistos como empecilhos para a fabricação no País. O tíquete médio dos produtos – R$ 350 nos óculos escuros e R$ 700 no modelo de grau – é visto por Maia como impulsionador para os negócios.

Tantos projetos exigem pesquisa e desenvolvimento. E a Chilli Beans investe anualmente R$ 5 milhões em P&D com o propósito de sempre inovar. Prova disso é que a empresa criou recentemente uma campanha institucional com o uso de inteligência artificial.

Com o mote ‘Se não existe, a gente inventa’, a ideia foi provocar a respeito do que é real ou não e os limites da tecnologia. “Testar a nova realidade e fazer uma brincadeira com o que, na real, não existe”, afirmou o fundador. “E, se não existe, assim como fazemos com nossos produtos e ações de marca, a gente inventa.”

Os quatro pilares que seguem apoiando a expansão

Apesar de a inovação ser uma constante no dia a dia da companhia, estratégias antigas e vencedoras seguem em prática apoiadas nos pilares da Chilli Beans: música, moda, arte e geek.

Na música, por exemplo, fazem parte do portfólio projetos com artistas como Alok e o americano Lenny Kravitz. Na moda, parceria com o designer Alexandre Herchcovitch.

Na arte, com Doze Green, um dos precursores do grafite em Nova York. Já o mundo geek tem calendário anual na programação. Óculos de sagas como Star Wars e Harry Potter mexem com o inconsciente dos apaixonados. “O ano inteiro tenho fã que quer exclusividade, que vai às lojas para saber as novidades.”

Além do mundo imaginário de atrações presentes no portfólio da Chilli Beans, há espaço para temas mais do que reais e que preocupam a sociedade, como a redução dos impactos no meio ambiente.

Há cinco anos a marca passou a investir em pesquisas para desenvolver materiais sustentáveis. Daí surgiu a ideia da coleção ECO, com óculos e relógios feitos com resíduos plásticos recolhidos do oceano. “Temos também produtos feitos a partir do capim prado”, disse o empresário.

“A partir deste ano, 30% do sortimento que eu colocar no mercado será de modelos feitos com materiais sustentáveis.”

Nem mesmo a situação econômica no Brasil faz com que Maia perca o bom humor. Pelo contrário. Ele acredita que as incertezas “são parte do jogo” e, apesar de considerar 2023 difícil em decorrência dos juros altos e da dificuldade de obtenção de crédito por parte da população, entre outros desafios, enxerga um ano de oportunidades.

“O mercado de óculos escuros despencou quase 40% nos últimos cinco anos, mas a Chilli Beans ganhou participação e aproveitou as oportunidades”, disse. Algum receio então? “Só não quero outra pandemia. Na verdade, instabilidade política é o meu maior medo.”

O que dizem os analistas

A confiança demonstrada pelo CEO da Chilli Beans é compartilhada pelo especialista em negócios de varejo Cléber Brandão. O proprietário do Instituto Cleber Brandão (ICB) aprova a estratégia de crescimento da bandeira, principalmente em relação às ópticas.

Brandão diz que é preciso, no entanto, uma comunicação bem direcionada diante da possibilidade de o público que compra óculos de grau ser diferenciado em relação ao que adquire os óculos escuros.

“Às vezes, será um cliente mais tradicional. Então, o discurso tem que ser bastante assertivo”, afirmou. “Mas acho que a Chilli Beans vai tirar de letra, porque ela já faz isso bem.”

Sobre o projeto de expansão internacional, outro especialista em marcas, Eduardo Tomiya, sócio-fundador e CEO da TM20 branding, diz que a empresa pode seguir o caminho da Havaianas e se transformar numa marca mundial. “Oferecendo produtos de qualidade e com parcerias estratégicas”, disse.

De acordo com Tomiya, quando uma marca se internacionaliza, ganha maturidade, porque disputa espaço em mercados muito competitivos. “Isso vai colocar a Chilli Beans em outro patamar e pode ajudar muito a operação no Brasil, com a experiência adquirida no exterior.”

Enfim, uma visão a longo prazo, repleta de desafios, enfrentados com receita de negócios apimentada.