A comissão criada pela gestão Jair Bolsonaro para inspecionar questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) barrou o uso de 66 perguntas do banco de itens da prova. Montado com o objetivo de fazer varredura de conteúdos com “abordagens controversas” e “teor ofensivo”, o grupo foi visto por especialistas como uma estratégia de censura. Desde 2018, Bolsonaro tem criticado um suposto viés ideológico do teste.

A triagem foi feita em março, mas o Ministério da Educação (MEC) só tornou o balanço público esta semana. O governo alega ter esperado o fim de todas as aplicações do Enem – candidatos em presídios fizeram o teste nos dias 10 e 11. Os itens condenados estão, principalmente, em duas áreas: Ciências Humanas (29) e Linguagens (28). Também foram “desaconselhadas”, nas palavras do MEC, cinco perguntas de Ciências da Natureza e quatro de Matemática.

O conteúdo das questões barradas não foi divulgado. Nesta edição, pela primeira vez desde 2009, a prova deixou de fora o tema da ditadura militar e também não tratou de direitos LGBT, tema polêmico para apoiadores de Bolsonaro. O Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do ministério responsável pela prova, também não esclareceu se foi acatada a recomendação de excluir todos os 66 itens listados das opções disponíveis para o exame. A previsão inicial era de que caberia ao Inep a decisão final de usar ou não a questão listada pela triagem na prova.

A nota técnica que previa esse filtro no Enem indicava o objetivo de rastrear “teor ofensivo a segmentos e grupos sociais, símbolos, tradições e costumes nacionais”, mas não detalhou quais seriam. Também apontava que a análise deveria mirar “temáticas que não se coadunam com os objetivos do exame”. O Ministério Público Federal chegou a questionar a competência dessa comissão.

O estoque do Enem tem milhares de questões, que passam por rigoroso processo de pré-teste e revisão, mas o número exato é mantido sob sigilo por segurança. O total de itens barrados, portanto, representa apenas uma parte bem pequena do total.

A comissão responsável pelo pente-fino era formada por um assessor do ministério, antigo aluno do ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez, um diretor do Inep e um procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, como representante da sociedade civil. Os critérios para a escolha dos nomes nunca foram esclarecidos.

Após a realização do Enem, nos dias 3 e 10 de novembro, Bolsonaro elogiou a edição deste ano. Segundo ele, é importante que a prova tenha questões que “reconheçam a família” e o “valor do Estado brasileiro”, mas sem ideologia política ou de gênero. No início do ano o presidente chegou a sinalizar que gostaria de ter conhecimento prévio do conteúdo da prova, mas depois o ministério descartou que tenha havido consulta prévia às provas.

A elaboração e organização do Enem envolvem forte esquema de segurança e um número bastante reduzido de funcionários têm acesso ao exame. Principal vestibular para acesso a universidades públicas e privadas do País, a prova foi feita por mais de 3,7 milhões de candidatos neste ano. Em 2020, o MEC pretende iniciar um projeto-piloto para aplicar uma versão digital do teste, para 50 mil estudantes. A ideia é ter a prova 100% on line até 2026.