A garagem da casa de número 367 da Addison Avenue, em Palo Alto, ganhou, oficialmente, o título de marco histórico do Estado da Califórnia. Muitos juram até que o Vale do Silício começou ali, quando Bill Hewlett e Dave Packard iniciaram, em 1939, aquela que viria a ser uma das maiores fabricantes de computadores do mundo, a HP. O negócio começou com um capital de US$ 500 e os sócios produziam instrumentos de medição. Dave e Bill nem sonhavam que a garagem da casa 367 serviria de berço para uma companhia que hoje fatura US$ 42 bilhões ao ano e está presente em mais de 130 países. Numa homenagem aos fundadores, a atual presidente mundial, Carly Fiorina, decidiu comemorar os 60 anos da HP com uma campanha institucional que está sendo veiculada em todo o mundo. Nela, Carly aparece em frente à histórica garagem de Bill e Dave e anuncia uma ?volta às origens?. Raras são as empresas nascidas em garagem que atingiram o tamanho da HP. Mas o espírito empreendedor de Bill e Dave fez escola ao redor do mundo, inclusive no Brasil. O empresário surfista Giancarlo Lioce é um exemplo. Foi pegar onda na Califórnia e quando voltou ao País passou a produzir pranchas de bodyboarding em casa. Hoje, exporta para os EUA, Japão e Europa. Outro seguidor é o estilista Carlos Miéle, criador da grife M.Officer. A dupla João Lima e Daniel Dalarossa ? nossos ?Bill e Dave? ? também fez fama no setor de informática com a Cyclades Corporation. Em comum, o mesmo início: tiraram o carro da garagem e colocaram suas esperanças lá dentro.

?Eu usava até o telefone comunitário que tinha em frente da minha casa?, confessa João Lima, da Cyclades. A empresa produz placas e equipamentos de rede para computadores que usam o software Linux ? o sistema operacional gratuito distribuído na Internet e que ameaça a hegemonia do Windows NT nas empresas. Hoje, estima-se que 22 milhões de máquinas usem o Linux. Quando surgiu, em 1989, a Cyclades resumia-se a um capital inicial de R$ 6 mil, uma garagem de 9 metros quadrados, duas bancadas de madeira, um velho micro 186 e apenas dois funcionários, Lima e o sócio Daniel Dalarossa. Graças ao estouro de vendas do Linux, os sócios conseguiram pular da garagem para um modesto escritório na zona sul de São Paulo e em seguida deram o grande salto: transferiram a sede para Freemont, no Vale do Silício. Hoje, a Cyclades tem duas fábricas, uma no Brasil e outra nos EUA, um escritório na Alemanha, e está abrindo novas filiais na Inglaterra, França e Itália.

Há casos em que o destino se encarregou de dar forma e tamanho a sonhos inicialmente despretensiosos. Uma multa de trânsito, por exemplo, fez um promotor de vendas da Nestlé largar tudo e partir para a produção de botas militares. Explica-se: Jussel Arroyo, 35 anos, foi autuado numa estrada próxima a Brasília. Na tentativa de anular a multa, ele esteve várias vezes na sede da Polícia Rodoviária Federal. Lá, ouviu uma história que chamou sua atenção: os oficiais reclamavam que suas botas não eram resistentes. Arroyo morava próximo a Franca ? pólo calçadista de São Paulo ? e prometeu ajudá-los. Vendeu um Opala, encheu sua garagem de couro e solas e começou o trabalho, artesanalmente. ?No início, eu fazia doze pares por dia?, conta. Aos poucos conseguiu contratos com PMs de vários estados, Aeronáutica e Exército. A fábrica hoje é a Arroyo, produz mil pares por dia e fornece botas até para os pilotos de teste da Honda. O faturamento é de R$ 4 milhões, número que deve triplicar com o contrato que o empreendedor está assinando com a americana Defender.

Entre as características dos ?empresários de garagem? está a informalidade. Alguns deles carregam até hoje o hábito de abusar da criatividade e usar roupas confortáveis. O advogado e surfista Giancarlo Lioce e o estilista Carlos Miéle são dois adeptos deste estilo de fazer negócios. O primeiro começou sua aventura empresarial quando estava ?pegando? onda na Califórnia. Lá, foi apresentado à marca Best Zone, produtora de pranchas de bodyboarding dos EUA. ?Na hora eu achei que era uma boa oportunidade de negócio?, lembra. Lioce decidiu produzir pranchas no Brasil, mas como não entendia nada do negócio foi trabalhar na própria BZ começando literalmente de baixo: varreu a fábrica da empresa americana por 40 dias enquanto aprendia o ofício. Largou a vassoura e voltou ao Rio com R$ 10 mil no bolso, a licença da marca para o Brasil e o know-how aprendido na Califórnia. Lioce começou a fazer pranchas em sua garagem. Depois, mudou-se para os fundos de uma pequena fábrica na zona portuária do Rio. Em 1994 já exportava para o Japão e a Europa.

Carlos Miéli tinha um incômodo na vida: o terno. Recém-formado em administração, o garotão, então com 24 anos, não conseguia usar paletó para trabalhar. Essa aversão à formalidade acabou desaguando na vontade de criar suas próprias roupas. Começou em casa, onde cortava as peças diretamente nos panos, hábito que conserva até hoje, mesmo comandando as 70 lojas da griffe M.Officer. Inicialmente ele vendia nos corredores e pátios de faculdade. Atualmente, a marca é um sinônimo de sofisticação e ousadia entre os jovens. Miéli é discreto com números. Guarda a sete chaves o faturamento da M.Officer. Já nas passarelas o estilo é outro. Durante o badalado Morumbi Fashion, em janeiro deste ano, o estilista queimou um terno ? sua velha aversão.