Quando o Grupo Ultra anunciou a aquisição da Ale Combustíveis, em junho de 2016, por R$ 2,2 bilhões, o mercado parecia assistir ao último capítulo de uma longa novela. Dona de 1,5 mil postos de combustível e quarta maior distribuidora do País, a Ale era, desde 2011, alvo constante da cobiça de gigantes do setor. Nesse intervalo, a lista de negociações fracassadas incluiu gigantes como a americana Bunge, a brasileira Raízen e a francesa Total. Mas o que parecia ser o ponto final dessa trama trouxe mais uma reviravolta. Em agosto de 2017, a transação foi vetada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A negativa do órgão regulador forçou a Ale a buscar outra noiva. E o tão aguardado enlace só veio um ano depois. Em 15 de agosto deste ano, o órgão aprovou a compra da operação pela suíça Glencore, por um valor estimado em R$ 1,7 bilhão. O acordo abre caminho para que a Ale possa, enfim, traçar um novo roteiro. “Ficamos muito expostos nos últimos anos, pois éramos sempre vistos como a empresa que estava à venda”, diz Marcelo Alecrim, um dos maiores acionistas da companhia. “Agora é pra valer.”

As conversas com a Glencore tiveram início no dia seguinte ao veto do Cade à aquisição pelo Ultra. A empresa suíça não era a única no páreo. Outros oito nomes mostraram interesse pelo ativo, entre eles a Total e a holandesa Vitol. Depois da aprovação pelo órgão, o contrato que sacramentou a entrada da Glencore foi assinado em 31 de agosto. A companhia passa a ter 78% do negócio. As ações restantes seguem com Alecrim, que ainda vendeu uma fatia de 10% da rede. A mineira Asamar e o fundo americano Darby, que detinham, respectivamente, 50% e 18% da Ale, deixaram a operação.

As primeiras medidas tomadas pela Glencore deixam claro que Alecrim e seus pares seguirão com voz ativa no negócio. O empresário vai assumir a presidência executiva do Conselho de Administração, que terá ainda quatro assentos para a empresa suíça. Outras posições-chave serão ocupadas por “pratas da casa”. A Glencore escolheu o diretor-financeiro Fulvius Tomelin como novo CEO e nomeou sua assistente, Herica Arcoverde, como nova responsável pelas finanças. A indicação chama a atenção pois essa é uma das primeiras posições a serem destinadas aos novos controladores. “Sempre disse que tínhamos uma equipe tão boa como uma McLaren ou uma Ferrari”, diz Alecrim. “Se me dessem uma boa máquina, teríamos condições de competir de igual para igual com as gigantes do setor”.

Para brigar com os líderes: com 1,5 mil postos, a entrada da Glencore vai dar fôlego para a expansão da rede da Ale, que terá o prata da casa Fulvius Tomelin como novo CEO (Crédito:Marcos Leão | Ana Paula Paiva/Valor/Agência O Globo)

Agora, o empresário parece ter, literalmente, combustível para fazer frente às líderes BR Distribuidora, Raízen e Ipiranga (Grupo Ultra) que encerraram o ano passado com participações de mercado de 24,26%; de 20,79%; e de 19,82%, respectivamente. Com uma receita de US$ 205 bilhões em 2017, a Glencore tem investimentos em segmentos como mineração, energia e agronegócios, além de uma forte atuação na área de compra e venda de commodities, com destaque para o petróleo. A Ale não é a única distribuidora no portfólio. Em maio de 2017, a empresa suíça formou uma joint venture, no México, com a distribuidora local G500.

“A Glencore tem recursos e inteligência mundial para nos ajudar a comprar melhor”, afirma Alecrim. Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, essa é uma das principais vantagens do acordo. “O mercado brasileiro sempre terá um alto potencial de importação. A Glencore é especialista nisso”, afirma. “Capitalizada e com foco, a Ale tem condições reais de expandir seu negócio.” O especialista cita a aquisição dos chamados postos de bandeira branca, sem marca, que representam cerca de 40% do mercado brasileiro, como uma das frentes que certamente ganhará força na distribuidora.

Alecrim ressalta que os próximo passos serão desenhados a partir de agora, com a Glencore de fato na operação. Mas recuperar o tempo perdido será outra prioridade. O longo período em que a Ale direcionou boa parte de seus esforços à venda da operação cobraram o seu preço. Especialmente na negociação com o Ultra. A receita da companhia caiu de R$ 12,6 bilhões, em 2016, para R$ 11,4 bilhões, em 2017. Sua participação de mercado, que era de 5,2% em 2015, recuou para 4,33%, no ano passado. Lorenzo Busato, sócio do Grupo Supera, destaca outro ponto impactado no período, o relacionamento com os revendedores, que precisa ser aprimorado a partir de agora. E cita como exemplo o número incipiente de 260 lojas de conveniência nos postos da rede. “Esse é um ponto que foi negligenciado nos últimos anos”, afirma ele. “Além de ampliar esse número, é preciso disseminar uma visão de varejo nas unidades que já integram a rede.”

Alecrim reconhece que o maior benefício da entrada da Glencore é a correção da falta de alinhamento entre os sócios. Ele nega qualquer rusga com os ex-acionistas e observa que as saídas eram um processo natural. O Darby, por exemplo, estava no negócio há 14 anos, um prazo incomum para um fundo de private equity. O negócio frustrado com o Ultra é citado como um exemplo das discordâncias sobre o rumo da Ale. O empresário diz ter aceitado, a contragosto, a proposta na época. A oferta previa que ele atuasse durante doze meses como consultor e, na sequência, deixasse a distribuidora. “Eu sairia rico, mas não estaria feliz”, afirma, comemorando o fato de seguir à frente da empresa que ajudou a construir. “Valeu a pena esperar.”