Por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) -Praticamente recolhido desde a derrota nas urnas, o presidente Jair Bolsonaro começou a ter definido os passos fora do poder nesta terça-feira –com o anúncio de que será presidente de honra do PL e candidato do partido ao Palácio do Planalto em 2026–, tendo no radar seu passivo na Justiça, onde é alvo de ao menos quatro investigações criminais.

No PL, que abriga Bolsonaro desde 2021, a avaliação corrente é que o presidente –dono de um patrimônio eleitoral de 58 milhões de votos no segundo turno e que ajudou a eleger uma série de aliados para o Congresso e governos estaduais– deve buscar assumir o protagonismo na agenda contra o governo Lula ao menos em um primeiro momento.

Em entrevista coletiva em Brasília na tarde desta terça, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, confirmou que Bolsonaro vai assumir a presidência de honra da legenda, já o lançou à sucessão presidencial daqui a quatro anos e ressaltou que o partido será oposição ao novo governo.

“Nós queremos que ele (Bolsonaro) comande o nosso partido, queremos o Bolsonaro à frente, nessa luta que ele construiu para levar o nosso partido a um patamar mais importante”, acrescentou.

Um dos mais antigos quadros do PL, o deputado federal reeleito Lincoln Portela (PL-MG) disse à Reuters antes da coletiva de Costa Neto que o “partido não pode ter um sentimento de situação tendo o maior líder que a direita já conheceu no Brasil”.

“Na minha avaliação, não falando pelo partido, não passa pelo partido o isolamento do presidente Bolsonaro, muito antes pelo contrário, passa pelo sentimento partidário uma atuação expressiva do presidente”, reforçou Portela, atual vice-presidente da Câmara.

PERFIL DE OPOSIÇÃO

Segundo Portela, o partido não deverá fazer uma oposição pela oposição a Lula, mas há balizas para um eventual apoio a eventuais pautas. “Aquilo que é importante para a pauta liberal, conservadora, estaremos prontos para conversar”, ressaltou ele, que também é vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica.

As bancadas do PL também devem servir como anteparo a uma eventual tentativa de ataque a Bolsonaro por aliados de Lula, segundo uma fonte próxima à sigla. “Se vier com sede de vingança, tem uma forma de revidar também”, destacou ela.

Essa fonte considerou que pode haver defecções na legenda em prol do novo governo e admite que não acredita em uma oposição sistemática do PL no longo prazo. Os demais partidos do centrão, como o PP do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), já deram sinais de que poderiam apoiar a gestão Lula.

O PL foi aliado do petista na eleição de 2002, quando indicou o então vice-presidente José Alencar e integrou a gestão Lula –foi um dos partidos que comandou o Ministério dos Transportes.

De todo modo, a força de Bolsonaro no PL se fará sentir no Congresso, onde o atual presidente ajudou a legenda a conquistar as maiores bancadas na Câmara (99 deputados) e no Senado (14 senadores). Ao todo, nove ex-ministros do governo foram eleitos, incluindo Eduardo Pazuello, da Saúde, e Ricardo Salles, do Meio Ambiente, ambos do PL.

Esse Congresso eleito, de perfil conservador e de centro-direita, é um dos obstáculos a contornar pelo novo governo Lula, tendo os núcleos ligados ao agronegócio e aos evangélicos, que ficaram muito vinculados a Bolsonaro, com um dos desafios de reaproximação e negociação.

Além disso, nomes alinhados ao bolsonarismo foram eleitos nos três maiores colégios eleitorais no Sudeste, com destaque para o maior deles, São Paulo, com a vitória do ex-ministro Tarcísio Freitas (Republicanos) para o governo estadual –que já entra na lista dos presidenciáveis pela direita em 2026.

PASSIVO JUDICIAL

Bolsonaro vai ter de dividir suas atenções com a administração de seu passivo na Justiça. A avaliação é que Bolsonaro montou, durante os quase quatro anos de governo, uma boa rede de apoio no Congresso, no Judiciário, no Ministério Público e no Tribunal de Contas da União para evitar eventuais tentativas de revanche de Lula e de petistas nesta seara, segundo a fonte.

Ainda assim, fora do poder, o futuro ex-presidente perde direito ao foro privilegiado e quatro investigações criminais de que é alvo no Supremo Tribunal Federal (STF) devem ser remetidas para a primeira instância. Ele responde a quatro apurações por tentar interferir na Polícia Federal, crimes na pandemia de Covid-19, vazamento de dados sigilosos da Polícia Federal sobre urnas eletrônicas e divulgação de notícias falsas sobre urnas e o processo eleitoral feitas em uma live.

Bolsonaro também é alvo de investigações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ataques às urnas eletrônicas e sua coligação eleitoral é alvo de ações movidas pela campanha de Lula que também podem, em tese, levar à cassação da chapa dele e até uma futura inelegibilidade.

A preocupação com o futuro dele e de familiares perante os tribunais perpassa as tratativas sobre como ele vai atuar a partir de 2023, disseram duas fontes à Reuters nos últimos dias. Uma delas disse que é possível que o PL garanta essa assistência jurídica a Bolsonaro após o mandato.

Na entrevista, Costa Neto disse que Bolsonaro terá toda a estrutura que precisar para ser presidente de honra do PL, mas não comentou se a legenda custeará advogados para ele. O presidente do PL, contudo, negou que partido vai pagar uma residência para o presidente quando deixar o cargo.

NOVO FIGURINO

Para além de contar com a retaguarda do PL, ainda é uma incógnita como será o novo figurino de Bolsonaro. Será a primeira vez desde 1988, quando se elegeu vereador pelo Rio de Janeiro, que o político estará sem cargo público.

Bolsonaro está conversando apenas com aliados próximos sobre o futuro, de acordo com fontes que acompanham as tratativas. Uma delas diz que o presidente e a família estão ainda digerindo a derrota e por isso o silêncio nos últimos dias.

O mandatário segue encorajando tacitamente a permanência nas ruas de uma base radicalizada que pede “intervenção federal” –um golpe militar– para vetar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de volta ao Planalto.

O presidente criticou e viu murchar os bloqueios na estrada que se multiplaram depois da derrota eleitoral, mas não fez nada do gênero quanto ao grupos bolsonaristas que permanecem em torno dos quartéis em pontos de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Para Camilo Onoda Caldas, pós-doutor em Democracia e Direitos pela Universidade de Coimbra, o bolsonarismo como vertente brasileira da extrema direita não vai se enfraquecer.

“O modo de pensar bolsonarista transcende a figura do presidente. Portanto, deve permanecer ainda durante muito tempo permeando a sociedade brasileira”, disse Caldas.

(Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello; Edição de Flávia Marreiro)

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