Criador do Latam Retail Show rentende que o e-commerce ainda não atingiu todo seu potencial e que irá crescer mais de 50% em cinco anos.

Por três décadas, o consultor Marcos Gouvêa de Souza peregrinou pelo Brasil para orientar empresas e palestrar sobre estratégias de varejo. Nos últimos meses, no entanto, ele tem falado tanto de economia e política quanto de planejamento de vendas. Para ele, os temas jamais estiveram tão conectados como agora. “Os ânimos estão extremamente acirrados e o efeito disso é matemático. É negativo”, afirmou Gouvêa nesta entrevista. A constatação não surgiu apenas de sua percepção, mas da troca de opiniões e projeções que ele recebe dos empresários do setor varejista. Fundador e presidente da consultoria Grupo GS& Gouvêa de Souza, ele capitaneia há oito anos a Latam Retail Show, mais importante evento de varejo e consumo B2B da América Latina, com mais de 100 expositores. Neste ano, entre a terça-feira (13) e quinta-feira (15), no Expo Center Norte, em São Paulo.

DINHEIRO — A economia dá sinais de reação, mas o varejo não esboça um crescimento no mesmo ritmo. Por quê?
Marcos Gouvêa — O varejo depende da volta da confiança, do otimismo, das boas notícias. Então, a recuperação será mais lenta e gradual, embora já esteja acontecendo.

A recuperação vai depender de fatores internos ou de externos?
Dos dois. O contexto global, que está complicadíssimo, não só no varejo e no consumo. A Europa enfrenta problemas de inflação generalizada, na faixa de 9%, assim como a China atravessa uma fase de baixo crescimento. E nos Estados Unidos há recessão, que ainda não sabemos o tamanho. Isso torna o mundo mais cauteloso, mais contido. Enquanto isso, nós aqui no Brasil estamos com problema mais centralizado na questão dos alimentos.

Por que alimentos caros influenciam na decisão de compra em outros segmentos?
A alimentação é decisiva no orçamento das classes mais baixas. Em média, os alimentos respondem por 30% das despesas das famílias. A inflação dos alimentos é de quase 18% na alimentação no lar e de 10% na alimentação fora do lar. Essa inflação de 18% bate direto no bolso. E é com essa perspectiva que vamos pra eleição. Então, quando os alimentos ficam mais caros, há menor disponibilidade de dinheiro para outros gastos. Por consequência, derruba a confiança. E tudo isso se soma a taxas de juros muito alta. Sem crédito e com inadimplência em alta, não há consumo.

Mas vários indicadores econômicos traçam um cenário mais positivo…
Comparar 2022 com 2021 e 2020 distorce qualquer análise. Temos de comparar com 2019 para saber se o crescimento é motivo de comemoração. Para quem ficou negativo nos últimos dois anos, qualquer repique parece recuperação. Foi o que ocorreu no primeiro semestre, que acabou surpreendendo ante as expectativas negativas que havia. O segundo semestre está sendo impactado de alguma maneira com redução de desemprego e a redução da inflação. Mas existe nisso o artificialismo de curto prazo, gerado pelas medidas pré-eleitorais do governo. Esse conjunto de elementos artificiais deve nos levar a um ano melhor do que o esperado.

“Os ânimos estão extremamente acirrados e o efeito disso é matemático. Percebendo a regularidade do processo eleitoral, a situação vai normalizar” (Crédito:Viana/TheNews)

O crescimento, então, também é artificial?
As medidas artificiais tiveram a virtude de antecipar um movimento que já estava desenhado de redução da inflação. A virtude maior é a redução de cima para baixo, especialmente na área de energia. O combustível acabou antecipando um efeito que estaria dissipado num período de tempo maior. Agora, os elementos que causaram esse pico de inflação, eles também estão se esmorecendo, reduzindo ao longo do tempo.

O arrefecimento da inflação não é resultado também dos juros altos?
A Selic tem o poder de contribuir para que a redução de inflação se torne estrutural. Porém, fica uma conta a ser acertada à frente. O Auxílio Brasil e outras coisas mais impactam no varejo e no consumo. Para o ano que vem ficam as dúvidas sobre como será paga a conta do Auxílio Brasil, se ele é mantido nos mesmos patamares, como é que isso vai rodar agora? O que a gente não pode perder de vista é que nós temos de ser muito, muito realistas.

Além das eleições, há Copa do Mundo e Black Friday chegando…
Esses eventos próximos devem dar, sim, uma oxigenada geral no mercado. Por isso, vamos provavelmente fechar o ano acima do que se imaginou inicialmente.

O que esperar de 2023?
Vai se um ano desafiador e cheio de dúvidas. Quando não há muita previsibilidade, o consumidor fica mais cauteloso nas compras e as empresas deixam de investir.

O presidente Bolsonaro disse que a economia está bombando…
Bombando é uma expressão muito forte. Existem segmentos e formatos de varejo com crescimento significativamente maior. Mas jamais dá para dizer que o nosso crescimento atual é uma economia bombando. Atacarejos, farmácias e drogarias estão indo bem. O e-commerce, de forma geral, tem crescido bastante e com muito espaço pela frente. Mas há setores que se deram muito mal, e que não voltaram aos patamares de 2019. Pergunte para os empresários do turismo.

O e-commerce bateu no teto?
De forma alguma. Acredito que o varejo digital vai registrar um crescimento de mais de 50% no Brasil nos próximos cinco anos. O hábito de usar a internet para comprar veio para ficar. Esse comportamento criou raízes.

Qual o maior desafio para a economia brasileira no próximo ano?
Primeiro, saber qual será a política econômica do próximo governo, seja qual for. Na projeção dos realistas, há expectativa de retomada de um crescimento baixo, porém consistente para os próximos anos. Isso graças à redução da inflação e pelo aumento da confiança da massa consumidora do País.

E qual é a sua expectativa?
É a de que o clima econômico vai melhorar após as eleições. Não podemos ignorar que em um ambiente de polarização há uma tendência de o noticiário se tornar hiper-realista. Isso cria racionalidade, menos consumo por impulso. Havendo uma distensão pós-eleição, se começa a olhar o que há de positivo na economia, seja qual for o governante. Afinal, a maior parte da população vai ganhar a eleição. Isso é estatístico. É o 50% mais um.

O clima pode ficar ainda pior se houver, por parte do atual presidente, o não reconhecimento do resultado das eleições?
É algo que sempre temos de considerar. Mas, sinceramente, não acredito que vai ter reviravolta nas eleições. Se a gente olhar o que aconteceu na posse do Joe Biden, nos Estados Unidos, foi indescritível. Se a gente olhar o que tem acontecido na própria França, na Itália, na Inglaterra… Poxa vida, o pau tá quebrando lá também. Estamos longe de algo similar a isso. Uma distensão dos conflitos vai emular um ambiente mais positivo para o mercado e para os consumidores. Bom para o varejo, bom para o comércio.

“A inflação dos alimentos é de quase 18% na alimentação no lar e de 10% na alimentação fora do lar. É com essa perspectiva que vamos pra eleição” (Crédito:Nelson Almeida/AFP)

A polarização tem afetado o consumo?
Muito. A polarização é nociva para a economia. Quando se torna agressiva e odiosa, gera um clima de ansiedade e desvio de foco das coisas produtivas. Isso, obviamente, leva a uma redução dos investimentos de forma geral. Seja você do lado A ou do lado B, num clima tenso desses, há uma tendência de se acautelar na hora de tomar decisões de longo prazo, de assumir riscos e de onde investir.

Essa é uma percepção pessoal ou dos empresários no varejo com quem interage?
Por todos os lados, percebo que os ânimos estão extremamente acirrados e o efeito disso é matemático. É negativo. Quem faz conta, posterga. E não é apenas na parte do consumidor. Momentanea­mente, as empresas estão precificando os efeitos negativos da polarização. Pode ser que a partir de janeiro, percebendo a regularidade do processo eleitoral, a continuidade da estrutura democrática no País, a situação vai se normalizar.

Lula ou Bolsonaro?
Se houver uma mudança, vai haver uma tendência de fazer no curto prazo o que for possível para enquadrar o País. E isso pode ter consequências importantes na economia, especialmente no consumo. Se for continuidade do que nós temos, vai ter que, de um jeito ou de outro, encarar a realidade. Então, com Lula ou com Bolsonaro, vai ser um ano mais difícil para o varejo e o consumo. O ponto de partida da recuperação será o encerramento das indefinições políticas.

A falta de confiança do consumidor e das empresas faz jus à realidade atual do País?
O Brasil não deveria estar passando por essa situação. Estamos abastecendo de alimentos o mundo todo. Não temos problema de energia como a Europa tem enfrentado. O quadro na China, com crescimento ameaçado pelo setor da construção, é bem complexo. Se eles crescerem 3% vai estar bom. No Latam Retail Show deste ano teremos como convidado Marcos Troyjo, presidente do Banco dos Brics. Ele vai nos ajudar a ter uma visão do Banco sob a óptica da Ásia. É sempre bom trazer essa visão de fora para o varejo.