A libertação de 337 pessoas que trabalhavam em condições análogas à escravidão em operação realizada no fim de julho pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) é fato para envergonhar qualquer cidadão minimamente humano. Trocando em miúdos, essas centenas de pessoas viviam em condições desumanas, comendo restos de comida, sem remuneração e sem acesso a banheiro ou água potável mesmo estando sob a tutela de outras pessoas que de alguma forma se beneficiavam do trabalho que elas realizavam. Que tipo de pessoa é essa que desumaniza outras pessoas para ganhar algo em troca? A resposta é: são criminosos.

O grande problema é que a questão para por aí. Ser criminoso hoje no Brasil não significa muita coisa. Segundo estudo da comissão de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, não mais do que 2% das pessoas físicas que submetem outras a trabalho escravo são punidas. É fácil verificar a lisura do dado. Nos primeiros seis meses do ano, quase 1 mil casos foram julgados. Nos últimos cinco anos foram mais de dez mil. Agora puxe pela memória e tente se lembrar de quantas pessoas você ouviu dizer que foram presas ou quantas empresas foram exemplarmente punidas por estarem associadas ao crime? Difícil.

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Se a situação para essas pessoas escravizadas em pleno século XXI já era estarrecedora, a notícia é que só tende a piorar. Não só pela impunidade como já foi falado, mas porque os órgãos de fiscalização e controle estão sendo sumariamente desmantelados. Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar), o País sofre com um deficit de 4 mil auditores fiscais para executar o trabalho. A verba também caiu. Segundo o Ministério da Economia, os recursos para a fiscalização do trabalho escravo passaram de R$ 2,3 milhões no primeiro ano de mandato do governo Jair Bolsonaro para R$ 1,3 milhão no ano passado, o valor mais baixo da última década, que teve em 2012 a verba mais expressiva com R$ 3,2 milhões.

Enquanto essa realidade que remonta ao Brasil Colônia insiste em existir, o Brasil finge pleno alinhamento com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Agenda 2030. Faltam apenas oito anos para a data combinada, mas o ruim não é o Brasil não cumprir o acordo internacional. O assustador é o País continuar compactuando com parcela de sua população que é criminosa e desumana, prestando pouca ou nenhuma assistência às vítimas deste e de tantos outros crimes bárbaros que acontecem por aqui.