O grito de “É campeão” estava engasgado há 44 anos. Às 17h35 desta terça-feira, 25, ao ser foi anunciado o terceiro 10 consecutivo no quesito bateria, o último e mais importante na apuração do desfile das escolas de samba de São Paulo, no Anhembi, finalmente os componentes da Águia de Ouro puderam soltá-lo da garganta. Era o primeiro título da escola.

Àquela hora, a quadra da Águia, na Pompeia, zona oeste da capital, já estava bem cheia, acompanhando a disputa decidida décimo a décimo. Ainda assim a escola abriu as portas para outras centenas de pessoas que, aos punhados, chegavam para participar da festa – inclusive com camisas de concorrentes da região, como Mancha Verde e Rosas de Ouro.

“É uma vitória que vem amadurecendo. Entendo que já ganhamos várias vezes, mas nunca levamos. Hoje, levamos”, disse o presidente Sidnei Carrioullo Antônio, que não conseguia dar dois passos sem ter de abraçar alguém. Ele faz parte da Águia de Ouro desde a fundação em 1976.

Inédita, a vitória da escola não fica devendo a nenhum roteiro de herói. Conhecida por ser “vanguardista” e já ter desfilado temas como fome, pedofilia e maus tratos aos animais, a Águia havia disputado o grupo de acesso – a segunda divisão do carnaval – em 2018. Neste ano, também teve perrengue. Parte das fantasias, por exemplo, atrasou e o acabamento foi feito instantes antes de entrar no Sambódromo.

O episódio mais impactante, no entanto, foi a morte do diretor de alegoria Du Molinari uma semana antes do desfile. “Essa vitória é uma homenagem a ele”, afirmou Pedro Emilio, um dos coordenadores da escola. “O diferencial deste ano foi ter entrado só com a rapaziada da comunidade. A gente virou noite preparando tudo.”

Foi justamente no quesito alegoria, o penúltimo divulgado, que a Águia assumiu a dianteira da disputa. Foram três 10 – o suficiente para ultrapassar a Acadêmicos do Tatuapé, então no primeiro lugar na disputa.

Desfilando pela escola há 16 anos, Suzana Furlan, de 54, se emocionou durante a festa. “Foi muito amor e muita garra lá no Anhembi.” “A escola é muito família: eu trago meu neto, meu marido, meu filho, minha nora”, disse a amiga Helena Boeno, de 57 anos. Ela conta que terminou de fazer o acabamento da fantasia na concentração do Sambódromo. “Nunca tinha sido essa correria… A gente usando cola quente para ajeitar os adereços, todo mundo unido”, relatou. “Ganhar é uma sensação maravilhosa. É indescritível.”

A Águia levou para a avenida enredo que abordava consequências do conhecimento, desde a invenção do avião à explosão da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki. Também fez referência a Paulo Freire, educador criticado pelo governo Bolsonaro, em alegoria. Na comemoração, a bateria da escola tocava o samba campeão sem parar. Em uma parte em especial, os presentes cantavam a plenos pulmões: “Meu coração é comunidade: faz o sonho acontecer! Pompeia guerreira, chegou sua hora!”