Depois de encerrar 2018 com um lucro líquido de R$ 13,3 bilhões — seu melhor resultado em 20 anos —, a estatal eleva em 178% a receita do primeiro trimestre e planeja um futuro em parceria com o setor privado

À frente da maior empresa de eletricidade da América Latina desde 1º de julho de 2016, Wilson Ferreira Junior tem muito a comemorar. Além do resultado financeiro recorde, na esteira da venda bem sucedida das últimas distribuidoras do grupo, ele celebra ainda várias metas alcançadas, como a redução no número de funcionários e a diminuição do endividamento. No primeiro trimestre, o lucro foi de R$ 1,347 bilhão, alta de 178% em relação ao resultado do mesmo período de 2018. A reestruturação, porém, não acabou. O executivo precisa entregar a capitalização, modelo que considera mais adequado que a privatização.

DINHEIRO – As ações da Eletrobras dobraram de valor desde que você assumiu. O que o Wilson tem de diferente dos outros executivos?

WILSON FERREIRA JR. – Vontade de realizar. A companhia estava em uma situação delicada, mas tinha saída. Temos um bom plano e somos apoiados pelo governo. Isso é muito importante no caso de uma estatal que tem um conjunto de limitações, às vezes até políticas. Tivemos que vender coisas e privatizamos as distribuidoras, que eram menos relevantes na nossa atividade. Não se usava a palavra “privatização” há 20 anos, mas vendemos mais de 27 Sociedades de Propósito Específico (SPEs), além das participações acionárias que tínhamos na Eletropaulo e na CPFL. A solução patrimonial foi, em grande medida, responsável pela melhora da companhia.

DINHEIRO – O que mais contribuiu para o resultado?

FERREIRA JR. – A melhora operacional. Éramos uma companhia que tinha custos reais, de pessoal, material, serviços e outros maiores que os custos regulatórios. Quando isso acontece, o acionista paga a diferença. Começamos com 55% de custo a mais e, ao fim do último trimestre, chegamos a 11% a mais. Em 2016 tínhamos 26.008 funcionários e terminamos o ano passado com 14.275. Hoje estamos com menos 450. Saímos de, praticamente, 26 mil pessoas para 13.800, uma queda de quase 50%. Também diminuímos a dívida com a venda de ativos.

DINHEIRO – Quais são os gargalos da Eletrobras?

FERREIRA JR. – Hoje a companhia tem uma situação melhor, mas ainda é alavancada. A relação de dívida liquida sobre EBITDA caiu de 8,8 vezes para 2,2 vezes, mas o financiamento de empresas de infraestrutura é de 2,5 vezes. Continuamos com dificuldade para tomar recursos. A Eletrobras representa 30% da geração brasileira e 47% da transmissão. Pela lógica de participação de mercado, nos próximos 10 anos, deveríamos investir uma média de R$ 14 bilhões por ano. Só que o nosso plano plurianual está apontando para investimentos da ordem de R$ 18 bilhões em cinco anos, ou seja, inferior a R$ 4 bilhões por ano. Temos um gap, teoricamente, de R$ 10 bilhões anuais só para manter nossa participação no mercado. Esse é o gargalo: nossa capacidade de investimento.

Usina flutante em Sobradinho permitirá geração de energia solar independente da baixa hidrologia (Crédito:Ddivulgação)

DINHEIRO – E o caminho para dar fim a este gargalo passa pela capitalização ou pela privatização?

FERREIRA JR. – Temos falado na capitalização. Ainda temos na nossa estrutura uma quantia grande, 14 mil MW, em usinas de cotas com redução do valor do megawatt-hora de R$ 100 para R$ 30, uma queda de 70% na receita destas usinas. Repassar o risco hidrológico não foi uma boa para o consumidor. Quem opera as usinas a R$ 30, também opera com prejuízo. Este valor é insuficiente. As últimas usinas licitadas conseguiram até R$ 150 pelo megawatt-hora. Por conta deste problema, o governo começou a trabalhar para acabar com as usinas de cotas. E chegaram a esta conclusão porque os produtores independentes também sofrem quando não conseguem gerar a energia assegurada por conta do efeito climático, o assoreamento de rios. As razões são várias, mas os produtores independentes estão gerenciando estes riscos. Eles ficam menos expostos e conseguem vender parte da energia no mercado livre. Já o operador de cotas não pode fazer isso. A descotização é a mudança do contrato de concessão do regime de cotas, que é o que temos em 14 usinas, para o regime de produção independente, que é o regime de 70% das usinas brasileiras. (Nota da redação: o regime de “cotas”, criado pela presidente Dilma Rousseff em 2013, tirou da conta de energia o investimento das geradoras nos ativos e passou para o consumidor o risco hidrológico com as bandeiras verde, amarela e vermelha).

DINHEIRO – E como a capitalização ou privatização entra nesta mudança?

FERREIRA JR. – O governo sabe que esse risco tem que ser mitigado porque está onerando as tarifas. Com a mudança no contrato, o governo passa a ter o direito de bônus de outorga. O tema da capitalização serve para isso. Se você oferecer esta mudança para a Eletrobras, ela não tem hoje capacidade financeira de pagar por este novo contrato no valor de R$ 12 bilhões. E faríamos a capitalização. Seria um aumento de capital de R$ 12 bilhões ou o valor que for. E o regime que se propôs criar para essa empresa é o regime de corporação, como acontece com a maior parte dessas empresas no mundo. Na Itália, o governo tem 23% da Enel. Na França, o governo tem 24% da Engie. O governo brasileiro tem interesse em resolver o problema do risco hidrológico, e isso abre uma oportunidade. Temos uma grande capacidade de gerenciar o risco, mas não temos o dinheiro para comprar esse direito. Aqui a privatização acontece de forma indireta, pela diminuição do controle do governo na empresa. É uma operação que tem essa característica, ao mesmo tempo que você faz o aumento de capital pra comprar o direito de concessão, você está “desestatizando” a companhia porque o governo fica minoritário, abaixo de 50%. Teremos um novo contrato de concessão de 30 anos.

DINHEIRO – Essa decisão passa pelo Congresso, não?

FERREIRA JR. – Sim. Será objeto de debate no Congresso. O primeiro aspecto é da descotização. Há uma perspectiva de, finalmente, reduzir a conta de energia elétrica ou, pelo menos, tirar a volatilidade.

DINHEIRO – E tem algum estudo mostrando qual seria o percentual de redução do valor na conta?

FERREIRA JR. – A descotização pode ser feita de uma tacada só ou de forma gradual. E isso vai determinar os impactos. No ano passado, submetemos a descotização gradual em até cinco anos, o que significou uma redução média de 1,7% na conta. Os cálculos precisam ser refeitos porque a tarifa subiu.

DINHEIRO – Os sindicatos dizem que a conta de energia ficará mais cara. Como garantir que isso não aconteça?

FERREIRA JR. – Não espere que os sindicalistas falem que vai melhorar. O melhor exemplo é a empresa do Piauí, a primeira a ser vendida por nós. O critério de classificação era para quem desse desconto na tarifa e deram 8,5%. Isso também aconteceu no Acre, em Rondônia. No caso das distribuidoras, houve aumento de eficiência em todas.

DINHEIRO – Como a empresa deve se posicionar nos próximos 10 anos?

FERREIRA JR. – Isso vai depender se ela será uma empresa capitalizada ou não. Gosto de olhar até o fim do ano, quando teremos quase concluído o processo de reestruturação. Faltam mais 1.500 pessoas ingressarem nos PDVs. A segunda coisa importante é concluirmos as obras que havíamos começado. Desde que assumi, não começamos nenhuma outra, não participamos de leilão, e isso contribuição na redução da alavancagem.

DINHEIRO – Como está o andamento das obras em Belo Monte?

FERREIRA JR. – Tínhamos duas linhas de transmissão e conseguimos terminar no fim de 2017 com dois meses de antecedência. Belo Monte entrou no cronograma e a empresa deu lucro no ano passado. Estamos ligando uma máquina nova a cada 45 dias e vamos ligar a última em novembro.

Treze das 18 máquinas da usina de Belo Monte estão funcionando e a última será ligada em novembro (Crédito:Betto Silva)

DINHEIRO – Quando a empresa deve retomar novos investimentos?

FERREIRA JR. – Com a capitalização, podemos triplicar os investimentos da empresa. O Brasil, sob ponto de vista regulatório, é um sucesso nos leilões. A companhia está se preparando para ser competitiva e participar dos próximos leilões. O apetite dessa participação depende da capacidade financeira dela. Vai depender de, realmente, concluirmos a descotização e termos capacidade financeira. Isso vai determinar ser ela será mais ou menos competitiva.

DINHEIRO – A construção de Angra 3 ainda precisa de investimentos. As obras vão continuar?

FERREIRA JR. – Angra é uma usina extremamente importante para o sistema sudeste. Com as denúncias da Lava-Jato, fizemos um grande trabalho de encerrar todos os contratos suspeitos de ilícitos. Nos tornamos assistentes de acusação desse processo, lançamos todas as perdas no balanço e preservamos a usina em condições de ser retomada. Hoje, 73% da obra física está pronta. É uma usina com 1.400 MW instalados e que vai precisar de R$ 14 bilhões para ser concluída em um prazo de 55 meses. Não temos esses R$ 14 bilhões. Estamos trabalhando para saber qual modelo societário que melhor abrigará um sócio privado, que terá de ter 49% ou menos da usina.

DINHEIRO – Falando em ministérios, você já foi cotado algumas vezes para integrara a Esplanada. Tem essa ambição?

FERREIRA JR. – Não tenho nenhuma ambição. Estou muito feliz com o desafio que recebi na Eletrobras, até porque estamos entregando resultados. A companhia valia R$ 10 bilhões quando fui anunciado. Essa semana atingiu R$ 50 bilhões.