Quem nunca reclamou quando a professora ordenou uma lição para fazer em casa, não é mesmo? Essas tarefas possuem função pedagógica importante de aperfeiçoamento do conhecimento do conteúdo, de construção de responsabilidade e de autonomia dos alunos. Por consequência do isolamento social provocado pela pandemia, que obrigou o fechamento de milhares de unidades escolares por meses em todo o Brasil, quem tem de fazer a lição de casa agora, para colocar as contas e os projetos em dia, são empresas que prestam serviços na área de educação.

O Grupo Cogna ­— maior conglomerado educacional do País com 70 marcas, centenas de colégios, faculdades, cursinhos pré-vestibulares e escolas de inglês, possui 30 mil funcionários, 10 mil professores e 2,4 milhões de alunos atendidos — tem um dos maiores desafios pela frente, depois de registrar prejuízo de mais de R$ 1 bilhão entre 2020 e 2021.

Um dos movimentos mais recentes para reverter essa situação foi alterar o comando do grupo. Roberto Valério, CEO da Kroton, assume como CEO do Grupo Cogna a partir do dia 28 de março, no lugar de Rodrigo Galindo. Em comunicado ao mercado, a companhia destacou o crescimento na última década. Em 2010, eram 85 mil alunos de ensino superior e em 2021 esse número passou de 1 milhão, além de 1,3 milhão de alunos de educação básica em escolas parceiras. Também foi ressaltado o salto financeiro da empresa, que em 2010 faturou R$ 599 milhões e, após dezenas de aquisições nos últimos anos, prevê fechar o ano fiscal atual em R$ 5,3 bilhões.

A missão de Valério, porém, está atrelada ao presente e ao futuro. A análise dos últimos dois anos, marcados pela pandemia, é primordial. O grupo saiu de lucros em 2017 (R$ 2,2 bilhões), 2018 (R$ 1,9 bilhão) e 2019 (R$ 771,9 milhões), para prejuízos em 2020 (R$ 907 milhões) e nos nove primeiros meses de 2021 (R$ 256 milhões). A receita caiu 12,3% de janeiro a setembro, em comparação com o mesmo período do ano anterior. E já havia registrado queda de 16,1% em 2020, ante 2019. Unidades completamente fechadas durante meses prejudicaram o desempenho da empresa, que tem 70% de seu faturamento proveniente da Kroton, que engloba todas as operações de ensino superior (presencial e EAD). Valério, que comanda essa unidade de negócio, está na companhia desde 2014, quando houve a fusão com a Anhanguera Educacional.

NOVO COMANDANTE Roberto Valério, CEO da Kroton, vai assumir o comando do Grupo Cogna no dia 28 de março com o desafio de retomar o crescimento (Crédito:Divulgação)

O executivo tem o compromisso de colocar em prática a estratégia definida pela gestão de Rodrigo Galindo, a qual Valério ajudou a formular. Em matéria de cortes de gastos, já está em andamento o enxugamento da operação. Nos últimos meses, a Kroton lançou 42 cursos digitais e reduziu em 21% o aluguel de suas unidades físicas. Foram transferidos 29 campi para parceiros. No marketing, corte de 37% nas despesas.

Na disciplina ‘crescimento’, a aposta é na KrotonMed, de formação de médicos. A expectativa é faturar R$ 482 milhões neste ano, com aumento de 75% no número de alunos, passando dos atuais 3 mil, para 5.250.

Em um projeto mais amplo, está prevista uma plataforma de vendas de cursos proprietários e de terceiros ainda neste primeiro trimestre. Será um marketplace da Cogna, tendência do mercado educacional, segundo Gabrielle Teco, CEO da Qura, hub especializada em curadoria de conteúdos para empresas e executivos. “Esse conceito de disponibilizar serviços e produtos com facilidade transacional, em um único lugar, tem crescido muito”, disse. O desafio dos grandes grupos, de acordo com a especialista, é fazer frente às edtechs, que têm democratizado o ensino, ganhado espaço no mercado e já lideram o ranking de startups no Brasil, com 11,5% do total dessas empresas ágeis, segundo dados da ABStartups. “Muitas vezes os produtos dos grandes concorrem com os das startups”, afirmou Gabrielle.

Para o terceiro trimestre deste ano, também está nos planos da Cogna lançar uma fintech própria, com conta digital e serviços financeiros para todo o ecossistema do grupo. Soluções de empregabilidade e renda, unindo as pontas do processo — alunos e empresas — é outra proposta da companhia, esta mais para o fim do ano. Com todas essas ações, o grupo visa obter 70% de sua receita operacional líquida em 2025 por meio do ensino híbrido e digital, ensino médico e negócios de plataforma. Por isso o alto investimento em profissionais de tecnologia, que passaram de 120 em 2018 para 959 em 2021. Os executivos da Cogna foram procurados pela reportagem para comentar as iniciativas da companhia. Mas não concederam entrevista. Devem estar concentrados em fazer a lição de casa.