Empresários dizem que estão otimistas. Alguns representantes de entidades ambientais, também. Vários dos especialistas ouvidos pela DINHEIRO sobre as expectativas do Brasil na COP-26 (31 de outubro a 12 de novembro), afirmam que o Brasil chega a Glasgow, na Escócia, para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas com uma postura menos isolacionista e mais diplomática. “O ministro tem sinalizado que irá cooperar com a negociação do Artigo 6 do Acordo de Paris”, afirmou Rachel Biderman, diretora da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura. Mas uma simples mudança do discurso é muito pouco para que o Brasil retome o poder de negociação de que precisa para defender que, a despeito de problemas a serem corrigidos, o País tem práticas sustentáveis que o tornam apto a ser um protagonista mundial na transição para a economia de baixo carbono.

O Artigo 6, ao qual Rachel se refere, versa sobre ações de cooperação internacional para que o mundo rume à neutralidade de emissões de gases de efeito estufa. Entre as práticas já em uso no Brasil estão técnicas de agricultura sustentável como agrofloresta, plantio direto (não se remexe o solo), além de matriz energética limpa e biocombustíveis. Vantagens que deveriam ser exploradas pelo governo na comunidade internacional. Carlos Nobre, cientista considerado referência global na agenda, é otimista em relação ao potencial brasileiro. “Temos um conjunto de soluções baseadas na natureza que podem trazer soluções imediatas para as emissões.”

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“O governo chega sem capital político para negociação e não acredito que os diplomatas reverterão esse cenário na COP”Maurício Voivodic WWF-Brasil.

Todas essas ações, porém, de nada valem se não forem reconhecidas nas regras do mercado global de carbono a serem definidas na COP. Aqui mora o problema. Com desmatamento recorde na Amazônia — quase 30 mil km2 nos três anos de Bolsonaro, contra média de 6 mil km2 nos dez anos anteriores — entre outros crimes ambientais, a comitiva verde-amarela chega a Glasgow sem moral para impor condições. Para Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, a reputação nacional é um dos grandes problemas a serem enfrentados. “O governo chega sem capital político para negociação e não acredito que os diplomatas reverterão esse cenário na COP”, afirmou.

PERSPECTIVAS As consequências serão ruins, muito ruins para o Brasil. Uma delas, explica Carolina Genin, diretora do programa de Clima do WRI Brasil, é que as características da biodiversidade brasileira não serão consideradas e o País será avaliado por uma régua que não cabe aqui. “A Europa está 20 anos avançada em uma economia baseada na biologia, mas não são tão biodiversos quanto nós. Copiá-los é um risco”, afirmou. Natália Renteria, gerente de Clima no Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), concorda. “Não dá para aplicar aqui os mesmos padrões de redução de emissões dos países temperados”, afirmou. É isso o que a Europa implementará caso o governo não defenda as características e o modelo nacional ­— o que provavelmente não terá forças para fazer — e corre o risco de não conseguir nem mesmo que o potencial de sequestro de carbono (20% do mercado mundial, segundo o Cebds) do Brasil seja considerado.

30 mil de km2 é a área desmatada da amazônia durante os três anos de governo bolsonaro

20% parcela que o Brasil poderia ter no mercado global de carbono

US$ 35 trilhões volume de ativos verdes sob gestão de fundos internacionais

Enquanto isso, autoridades não conseguem consenso nem internamente. A agenda está dividida entre diversos ministérios com interesses diferentes. Na lista, as pastas do Meio Ambiente, Agricultura, Economia, além da vice-presidência — ainda que Hamilton Mourão esteja escanteado e tenha recebido um sonoro não de Bolsonaro a seu pedido de comandar o Brasil na COP, é também presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. Enquanto o Planalto não liga lé com cré, governos e empresas brasileiras perdem oportunidades de acessar um mercado de fundos internacionais que gerenciam ativos verdes avaliados em US$ 35 trilhões, segundo Marcela Ungaretti, head de pesquisa ESG na XP. “Um em cada dois fundos já considera ESG como fator para alocação de recursos”, afirmou. Afinal, vale lembrar, o capital não se encanta por discurso e sim por objetivos, metas, ações e resultados. Em seu voo solo, o Brasil não entendeu que a COP-26 é sobre plano de negócios.