Os problemas na oferta de commodities (matérias-primas com cotação internacional) agrícolas, como milho, soja, café e leite, que puxou a aceleração do Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), na passagem de junho para julho, estão associados a eventos climáticos que não estavam totalmente no radar e ainda poderão ter efeitos negativos. A avaliação é de André Braz, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), que divulgou o indicador mais cedo. O IGP-DI registrou alta de 1,45% em julho, após um avanço de 0,11% em junho.

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A seca já vinha no radar nos últimos meses, com impactos negativos não só sobre a produção agrícola, mas também na geração de energia. Só que as ondas de frio mais recentes, com geadas afetando a produção de café, laranja, cana e pastagens, agravaram o quadro. Isso no contexto que já era inflacionário, num cenário ainda marcado pela covid-19, com o dólar elevado e cotações internacionais em alta, por causa da demanda da China.

“A piora veio com as geadas. Frustraram muito algumas ofertas de alimentos, nem todos ainda registrados no IGP-DI. Os próximos meses ainda poderão ser marcados por efeitos da geada no café, cana, laranja, milho, soja”, afirmou Braz.

A frustração na oferta desses alimentos tem efeitos em cadeia. Milho as previsões da produção na segunda safra têm sido reduzidas e soja são usados na produção de ração animal e, quando encarecem, tendem a pressionar os preços finais das carnes e do ovo. O leite mais caro também tende a encarecer laticínios em geral. Além disso, as ondas de frio afetam a produção de alimentos in natura, como hortaliças e legumes, integrantes da cesta básica da maioria das famílias.

Segundo Braz, essas pressões inflacionárias chegam numa época que costuma ser favorável para a produção de alimentos in natura, normalmente marcada por alívios nos preços. “Isso pode frustrar a expectativa de desaceleração da inflação no segundo semestre”, afirmou o pesquisador da FGV, numa referência aos índices de preços ao consumidor, no acumulado em 12 meses.

Tanto que a projeção atual de Braz já aponta para um IPCA, o indicador oficial, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em torno de 7,0% em 2021. Ainda em função do clima, essa alta do IPCA poderá ficar em 7,8%, nas contas de Braz, se a temporada de chuvas, geralmente iniciada em outubro, não for favorável o suficiente para recuperar o nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas.

Com a crise hídrica, há chance de as cobranças adicionais na conta de luz, para dar conta do acionamento das usinas térmicas, continuarem nos níveis máximos até dezembro, disse Braz. E o efeito poderá ser ainda maior se houve novo reajuste na tarifa adicional cobrada na bandeira vermelha 2, como já foi sinalizado pelo Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Tudo isso, num quadro em que o agravamento das pressões inflacionárias nos alimentos, na conta de luz e nos combustíveis coincidirá com uma maior abertura das atividades econômicas. Com o avanço na vacinação conta covid-19, a tendência é que diminuam as restrições para o funcionamento dos serviços, o que poderá inflar preços de bares, restaurante, salões de beleza, entre outros itens.

“Já vemos uma reação na inflação de serviços. E isso fica mais grave com a energia mais cara”, afirmou Braz, lembrando que a energia elétrica é um importante custo para a operação dos negócios de serviços e que a demanda reprimida poderá aceitar preços mais elevados. “As famílias, doidas pra sair, vão consumir”, completou o pesquisador.