Abolir a pobreza. Essa foi a mais acertada decisão econômica tomada pela China em sua história. Foi há nove anos. As lideranças do país enxergaram na estratégia a única estrada para se tornar uma potência. A batida de martelo aconteceu no 18º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC). De forma imediata, 255 mil teamworks foram criados, com 3 milhões de integrantes. Foram enviados para os lugares mais desprovidos do país. O PIB chinês navegava na casa dos US$ 8,5 trilhões, praticamente metade do americano na época (US$ 16,2 trilhões). O brasileiro estava em US$ 2,5 trilhões. Àquela altura, Xi Jinping já era o mais influente líder político nacional, mas só se tornaria presidente em março do ano seguinte. Desde então, de acordo com o Banco Mundial, o PIB do planeta cresceu 12,6% (de US$ 75,2 trilhões para US$ 84,7 trilhões), o dos Estados Unidos teve alta de 37,5% (US$ 20,9 trilhões) e o chinês deu salto de 73% (US$ 14,7 trilhões). O do Brasil? Encolheu em dólar 43% (para US$ 1,4 trilhão em 2020). O trem da história seguiu e nós caímos do vagão. Ficamos pelo caminho. Num prazo recorde de tempo, aliás.

A decisão de retirar pessoas da pobreza não foi apenas parte de um plano de governo, algo acessório ou marginal. Foi Política de Estado. Como foi a abertura para a economia externa a partir dos anos 80. A batalha contra a pobreza havia começado, é fato, duas décadas antes. Nos anos 90, 750 milhões de chineses viviam com até US$ 1,90 por dia — linha de corte pelo qual o Banco Mundial define a extrema pobreza. Pouco mais de 20 anos depois, essa legião de zumbis havia derretido para 90 milhões de pessoas. De toda forma, o que aconteceu em 2012 foi decisivo: Pequim decidiu que a pobreza não voltaria (ao contrário do que ocorreu no Brasil) e a desigualdade virou inimigo de Estado. Isso mudou a China.

Oficialmente, o país diz que a pobreza extrema virou zero. A travessia, contudo, não está concluída, já que metade dos chineses ainda ganha pouco. Mas foi cruzada a mais difícil das fronteiras: a da pobreza. Por mais que se desconfiem de estatísticas que saem de Pequim, houve um eficientíssimo projeto de destruição da miséria. O extermínio da pobreza teve como consequência direta o florescer de uma vibrante Classe Média. A maior do mundo, com 400 milhões de pessoas (28% dos 1,4 bilhão de habitantes). São famílias com renda anual entre 100 mil e 500 mil yuans (de US$ 15,5 mil a US$ 77,4 mil, de R$ 80 mil a R$ 400 mil).

Bingo. A economia passou a ter motor e combustível. Inclusive (e principalmente) quando o mundo vai mal. No ano passado, o PIB global encolheu 3,6%. O chinês cresceu 2,3%. Aqui, caímos 4,1%. Num estudo do Pew Research Center usando dados de 2018 é possível olhar o fenômeno da Classe Média da China com mais camadas. O Banco Mundial define o corte para a pobreza em US$ 1,90 ao dia por pessoa. O Pew ajustou para US$ 2 e criou cinco faixas de renda diária: Pobre (até US$ 2), Classe Baixa (US$ 2 a US$ 10), Classe Média Baixa (US$ 10 a US$ 20), Classe Média Alta (US$ 20 a US$ 50) e Classe Alta (acima de US$ 50). Por esse critério, a soma da Classe Média Baixa (34,6%) e Classe Média Alta (16,2%) alcança 50,8% dos chineses, ou 700 milhões de pessoas. E os extremos foram praticamente eliminados — 0,33% dos chineses têm rendimentos de até US$ 2 ao dia e 1,44%, acima de US$ 50.

Para efeito de comparação, pelo mesmo estudo, no Brasil a soma da Classe Média Baixa (30,1%) com a Classe Média Alta (21,3%) dá 51,4% e equivale ao porcentual da China. Então por que caminhamos na direção oposta da nação asiática quando falamos de economia? Por duas razões. A primeira é que nosso movimento é de aumento da Classe Média Baixa e, principalmente, da pobreza. Nossa curva retrocede enquanto a da China avança. A segunda evidência é que a brutal desigualdade aqui só piora. Enquanto os chineses têm menos de 2% dos habitantes nos extremos, o Brasil tem 13%: na ponta de baixo (até US$ 2 ao dia) há 4,7% da população, e na ponta do alto (acima de US$ 50) estão 8% dos brasileiros. Um terceiro elemento piora a equação: os dados do Pew são referentes à pré-pandemia. Ou seja, estamos bem piores agora.

A Classe Média é mais que uma massa de consumidores. É um estado de espírito que lubrifica a economia. Um modelo de comportamento de consumo. Ela avançar para se tornar predominante foi decisão de Política Econômica de Pequim. Tudo sob o olhar atento de Xi Jinping para a redução do Monstro da Desigualdade, tema predominante em seus discursos econômicos. Por aqui, Paulo Guedes reclama de doméstica na Disney e do filho do porteiro na faculdade. A verdade é que se não fôssemos um país comandado (e apoiado) por idiotas, estaríamos em bem melhor situação.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.