Quem vê Laércio Albuquerque trabalhando confortavelmente à beira da piscina pode pensar que o executivo está com a vida ganha. Muito pelo contrário. O homem que dirigiu por cinco anos a operação brasileira da Cisco, maior empresa de plataforma de conectividade do mundo, tem um novo desafio na carreira. Acaba de ser promovido a presidente da empresa para a América Latina após meia década de avanços no Brasil, em que o crescimento em faturamento no período foi de dois dígitos ano a ano – além da ampliação da manufatura local de equipamentos, um centro de inovação que serve de hub para toda a região, fortalecimento do programa de canais e maior proximidade com os clientes. “Foram os cinco anos mais entusiasmantes e felizes, cheguei ao ponto alto da minha carreira executiva”, disse à DINHEIRO, ao ressaltar que o “anywhere office” já era discutido na corporação antes mesmo da pandemia.

Agora, mesmo com atuação ampliada na empresa, o Brasil segue como mercado estratégico. Por aqui, enquanto o foco da maioria das companhias de tecnologia está voltado ao futuro e promissor 5G, os olhos da Cisco miram as possibilidades abertas a partir do Wi-fi 6, mais rápido e com melhor desempenho de conexão, além de permitir que diversos dispositivos conversem de forma simultânea à rede de internet sem fio de forma estável. “O 5G vai trazer avanços na conectividade no País. Mas é uma evolução para a década”, disse Albuquerque. “Em paralelo, o Wi-fi 6 já é uma tecnologia pronta, é realidade e vai revolucionar as conexões agora. A Cisco já passa a fabricar equipamentos para essa tecnologia no Brasil”, disse Albuquerque.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) tomou decisão importante recentemente que abre caminho para o Wi-fi 6 – e também o 6E, que tem especificações um pouco melhores do que a versão tradicional. A reguladora definiu toda a faixa de 6 gigahertz – entre 5,925 GHz e 7,125 GHz – para ser usada na nova rede wireless. Derrota para as operadoras de telefonia, que queriam parte dessa faixa para tráfego do 5G. E vitória das fabricantes de infraestrutura, que observam com otimismo as oportunidades em futuro breve. É nessa seara que entra a Cisco, ao prever expansão de redes e recursos por empresas e consumidores. Assim, terá maior demanda por data centers, roteadores, switches e serviços de segurança cibernética.

O relator da consulta pública da Anatel sobre o Wi-fi 6, conselheiro Emmanoel Campelo, afirmou em audiência em dezembro que em 2023 projeta-se no Brasil 755,1 milhões de dispositivos conectados em redes sem fio. Quase 50% a mais que em 2018. Ainda segundo ele, no mesmo período, o aumento do número de hotspots Wi-Fi será de 500%. A previsão, portanto, é de que o mercado deve multiplicar o potencial da nova geração tecnológica e agilizar a troca do parque de equipamentos.

Bill Rojas, diretor adjunto de pesquisa da IDC, consultoria de serviços de inteligência de mercado, disse que o Wi-Fi 6 é uma tecnologia de acesso adicional e complementar ao 5G. A quinta geração de internet faz a conexão outdoor e a rede wirelles, indoor, em cenários congestionados de alta capacidade, como aeroportos, estádios, hospitais, fábricas e shopping centers. “A combinação de Wi-Fi 6 e 5G abre ainda mais casos de uso e reforça o retorno sobre o investimento, oferecendo muito mais largura de banda por utilizador e a capacidade de lidar melhor com um grande número de usuários finais e Internet das Coisas (IoT), dispositivos como sensores de movimento e câmeras de vídeo IP”, afirmou o analista.

EM PRÁTICA O Wi-fi 6 já é utilizado pela Cisco, em parceria com a Logicalis, provedora de serviços de tecnologia, na rede de lojas de departamento Riachuelo. Com a solução Cisco Meraki – com ferramentas de trabalho remoto e tráfego seguro de dados – e uma rede sem fio de nova geração que se estende até as fábricas, os centros de distribuição e as mais 321 lojas em todo o País, a Riachuelo t em transformado a experiência de clientes e colaboradores. O projeto implantado está habilitado para oferecer diversos serviços em IoT, eficiência energética e até aqueles que dependam de grande velocidade e capacidade de transferência de dados. A matriz, por exemplo, possui um estúdio fotográfico e a nova infraestrutura tecnológica possibilita a transferência de imagens de alta qualidade de forma mais ágil.

Cliente da Cisco desde 2013, a Beneficência Portuguesa de São Paulo adotou soluções de data center, infraestrutura de rede com mais de 15 mil pontos, wi-fi, ferramentas de colaboração como a plataforma de vídeo Wbex, contact center, segurança e suporte da infraestrutura completa. No ano passado, durante a pandemia, o arcabouço tecnológico suportou as reuniões médicas, administrativas e científicas, além de treinamento de equipes. Com o avanço da nova rede sem fio, é um potencial cliente para modernização.

SEGURANÇA Entre os principais produtos da Cisco estão as soluções de cibersegurança, que englobam análise de segurança da rede, services engine e análise de tráfego criptografado. A expectativa da empresa, a partir de estudos do mercado, é de que, juntos, 5G e Wi-fi 6 tenham 30 bilhões de devices conectados no mundo em 2023. “Consequentemente, 30 bilhões de brechas de segurança. Investimos para ter conectividade automática e segura. Caso contrário, serão 30 bilhões de dores de cabeça”, afirmou Laércio Albuquerque.

As soluções de colaboração, mensagem e interação da companhia também estão nesse contexto evolutivo. De acordo com dados do Dimensional Research, a pedido da Cisco, 98% das reuniões corporativas presenciais realizadas no mundo terão ao menos uma pessoa ausente da sala, participando virtualmente. “Não existe mais reunião 100% física. Alguém vai estar de fora e a experiência vai ter de ser a mesma, com conectividade e segurança”, disse. Esse campo de atuação, que inclui ferramentas de cibersegurança e de colaboração, é um dos mais lucrativos da companhia, que faturou globalmente US$ 49,4 bilhões em 2020, resultado pouco inferior ao registrado em 2019, quando a receita foi de US$ 51,9 bilhões, e semelhante ao patamar de 2018, que fechou em US$ 49,3 bilhões. Apesar dos altos e baixos, a avaliação de Laércio Albuquerque é que o desempenho foi satisfatório diante dos desafios. O otimismo está no fato de os serviços (softwares em nuvem) ganharem espaço nas vendas diante dos produtos (hardwares). “Isso é significativo para o poder financeiro da Cisco.” Fato é que a empresa continua soberana no mercado de redes e conectividade, com mais de 80% dos dados do mundo passando pelas suas soluções. “Estamos conectando o planeta e a sociedade.” Da beira da piscina ou de qualquer lugar.

“A TECNOLOGIA QUE SALVA É A MESMA QUE CEGA”

Depoimento de Laércio Albuquerque, presidente da Cisco na América Latina. (Crédito:Divulgação)

“Nasci em Batayporã, no Mato Grosso do Sul, numa casinha de madeira, pelas mãos de uma parteira. É um cidadezinha de 11 mil habitantes. Meus pais nunca foram para a escola. Catei papelão na rua, fui pegador de bolinhas de tênis e office boy. E hoje estou à frente da maior companhia de plataforma de conectividade do planeta, a Cisco. Por que sou bom? Talvez tenha tido meus méritos, mas as pessoas me abriram as portas e me deram oportunidades. Eu me considero um filho da oportunidade desse País. Como eu, existem milhões de pessoas implorando oportunidades. A Cisco é empresa que abre portas. Tenho toque pessoal com isso. Isso me motiva. Mas uma das maiores lições da vida eu aprendi agora.

Muitas empresas querem mover 100% de sua força de trabalho para o home office. Mas se for apenas por Opex (despesas operacionais), é um movimento errado. Mover para home office tem de ser pela qualidade de vida do funcionário, para que possa produzir onde precisa e quer estar. Isso é importante! A tecnologia é maravilhosa para isso. Mas a tecnologia que salva é a mesma que cega.

A tecnologia salva o paciente no hospital, salva a Educação ao conectar o professor e o aluno, salva o Judiciário com as audiências virtuais. Só que a tecnologia consegue colocar sua mente ocupada o tempo inteiro. Se deixar, aqueles cinco minutos do café você ocupa com alguma outra atividade. Eu descobri a duras penas que, mesmo fazendo algo que você ama, mas em quantidade extremamente exagerada, isso te leva a desgaste físico e mental seríssimo. No ano passado, tive um baque físico, pico de arritmia, que me levou ao hospital, onde passei por grande reflexão. Tive ataque de pânico por uns dez dias. Achava que estava morrendo. Eu precisava parar. E parei durante 30 dias sem tocar em qualquer aplicação de celular. Confesso que nos primeiros dias minha mão tremia. Eu pensava que havia algo que precisa responder no celular. E me controlava: ‘calma, respira’. O corpo e a mente precisam de pausa. Para mim, foi um detox espetacular. Aprendi muito.

Aprendi que se não responder uma mensagem naquele segundo que ela chega, o mundo não vai acabar. E aprendi a dar muito mais valor para a tecnologia. Se usada para o bem, ela realmente te salva. O ser humano não pode ser uma ferramenta na mão da tecnologia, tem que ser o contrário. O conselho que dou hoje é fazer pequenos detox digitais ao longo do dia, da semana, do mês. E pode ser do executivo ao estagiário, não importa: tem de ter tempo para sua mente. Principalmente durante esse período que vivemos de hiper conectividade.

Minha vida mudou muito. Passei a dar muito mais valor ao próximo e colocar o sapato dele. Atrás dessa telinha do celular, na vida real, tem muito mais coisa acontecendo. Foi uma experiência que eu não gostaria de ter tido. Tive muita vergonha de contar isso, mesmo para meus familiares. Até que me libertei. Agora tenho passado essa experiência para outras pessoas. Executivos não são super-homens. Saúde e família têm de estar em primeiro lugar. Sinta o abraço do seu filho de verdade. O resto, a gente conecta.”