A indústria farmacêutica no Brasil é bem peculiar. Com um mercado pulverizado, em que os líderes não possuem mais do que 10% de participação, 349 fabricantes, sendo 66% de capital nacional, disputam as preferências de médicos e de consumidores. Em um cenário como esse, qualquer movimento de uma empresa pode mexer no ranking das maiores do setor. Se a tacada for de vulto, as chances de mudar de patamar são altíssimas. É essa a estratégia da Cimed, que produz medicamentos, cosméticos e suplementos. Em dez anos, a companhia saiu da 36ª posição para a terceira entre os maiores fabricantes do setor em número de caixas vendidas, de acordo com a consultoria IQVIA. No pódio, com a medalha de bronze, a Cimed vende cerca de 400 milhões de caixas anualmente, atrás da líder Hypera Pharma (670 milhões) e do Grupo NC Farma (650 milhões). No ano passado, a receita líquida foi de R$ 1 bilhão. A projeção é fazer saltar para R$ 3 bilhões, em 2023, e R$ 5 bilhões, em 2025.

Os diferenciais até aqui têm sido uma cadeia própria de distribuição, com 26 centros logísticos espalhados pelo País, crédito direto para milhares de farmácias e a profissionalização da gestão iniciada há cinco anos. Era uma empresa familiar, fundada em 1977 por João de Castro Marques e até então comandada por ele. Agora, sob a batuta de João Adibe Marques (presidente) e Karla Marques Felmanas (vice-presidente), filhos do fundador e que dividem a administração da empresa, entra em outra fase, com a construção de uma nova fábrica em Pouso Alegre (MG), onde já funciona uma unidade fabril.

O investimento na planta deve chegar a R$ 500 milhões. Com isso, a produção mensal vai passar de 40 milhões de unidades para 100 milhões. Ela será a base para fazer a receita multiplicar por cinco em cinco anos. “Queremos fabricar muito, distribuir muito e vender muito. Miramos o topo”, disse João Adibe, que entrou na empresa com 15 anos e se denomina vendedor até hoje, aos 50.

EM PLENA ATIVIDADE Construção da fábrica mineira começou em 2019 e foi acelerada durante a pandemia. Estrutura tem espaço específico para produção de lotes pilotos. (Crédito:Claudio Gatti )

A DINHEIRO teve acesso ao projeto e às perspectivas da nova fábrica com exclusividade. Ela começou a ser construída em 2019, pouco antes da pandemia de Covid-19, no início de 2020. “Qualquer empresário iria parar a obra. Nós, com todos os cuidados, aceleramos. E hoje está em funcionamento”, disse o presidente. Possui 44 mil m² de área construída, com espaço específico para produção de lotes pilotos, considerado essencial para uma avaliação mais criteriosa das características e da qualidade de um produto farmacêutico. Localizada em um terreno ao lado da primeira fábrica da companhia, à beira da Rodovia Fernão Dias, que liga Minas Gerais a São Paulo, com ela o grupo Cimed passa a ter três plantas fabris: as duas fábricas de medicamentos e um parque gráfico, em São Sebastião da Bela Vista (MG). A primeira unidade seguirá focada na produção de líquidos, pomadas, cremes, antibióticos, vitaminas, hormônios e ainda nas linhas de higiene e beleza. Nela, a Cimed também está investindo para ampliar em 50% a capacidade de produção de vitaminas. A fábrica II será dedicada aos sólidos orais, especialmente genéricos. “Temos 68 moléculas de genérico, sendo que em 45 já somos líderes. Os concorrentes têm 400. Podemos crescer”, afirmou Adibe. Esse crescimento passa também pelo estreitamento das relações com o poder público. Hoje, essa linha não é tão relevante para a companhia, sendo responsável por apenas 3% do faturamento, pois não havia condições de atender a alta demanda. Na avaliação de Fernando Moulin, partner da Sponsorb, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente, a presença da empresa no mercado de medicamentos genéricos é consolidada, mas esse segmento ainda parece distante de haver atingido seu real potencial de crescimento. Ou seja, há caminho asfaltado para a Cimed acelerar. “Principalmente consideradas as perspectivas limitadas de crescimento econômico para os próximos anos”, disse Moulin.

500 milhões de reais é o investimento total previsto na nova planta em Pouso alegre (MG), onde já funciona outra unidade fabril

100 milhões de unidades é a estimativa de produção mensal da fábrica, volume 150% superior ao atual. receita deve multiplicar por cinco

Essa expansão da Cimed vai ao encontro do desenvolvimento do mercado farmacêutico, que movimentou R$ 118 bilhões em 2021, 37,6% acima dos R$ 85,7 bilhões de 2019, segundo a consultoria IQVIA. O montante deve crescer 12,86% neste ano em vendas no varejo e aumentar 5,95% em número de unidades, de acordo com estudo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma). Para 2023, as expectativas são de aumento de 12,41% e 5,99%, respectivamente.

O portfólio da empresa está atrelado a produtos de consumo de hábitos diários e remédios de uso contínuo, o que garante à companhia uma receita crescente e recorrente. (Crédito:Divulgação)

CIÊNCIA Paralelamente ao crescimento estrutural, a Cimed avança em pesquisa e desenvolvimento. É uma das poucas indústrias entre as três centenas e meia do setor a possuir um instituto científico próprio, que está estruturado em quatro laboratórios físico-químico e microbiológico. No corpo técnico, são mais de 300 colaboradores, entre farmacêuticos, químicos, engenheiros químicos e biólogos. Na estrutura, são analisados em torno de 1,2 mil lotes de matéria-prima e material de embalagem e 1,2 mil lotes de produto acabado por mês nos laboratórios. O investimento anual está na casa de R$ 90 milhões para desenvolver os novos produtos. Com foco em inovação, a farmacêutica já realizou experimentos no espaço, por meio do projeto CimedX, criado em 2021, em parceria com a companhia de logística Airvantis e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). A iniciativa promove testes de cristalização de proteínas a bordo da ISS (International Space Station), nas áreas de imunologia, envelhecimento e absorção de vitaminas.

Com os investimentos em P&D, alinhados com a nova fábrica, a intenção é dobrar os atuais 600 SKUs (Stock Keeping Unit). “Com preço acessível, crédito e distribuição”, disse o presidente, sobre a fórmula que está em uso desde a década de 1990. Com ela a Cimed escalou suas quatro categorias: genéricos, OTC (produtos de venda livre, sem prescrição médica, como pastilhas, analgésicos e antitérmicos), vitamínicos (com a família da marca Lavitan, líder de mercado com 35% de share) e higiene e beleza (sabonete íntimo, pomadas, hidratantes). Apesar do potencial para vendas em supermercados, todos os itens são comercializados exclusivamente no canal farma e, a curto prazo, será mantido esse modelo, segundo Adibe.

118 bilhões de reais é quanto o mercado farmacêutico movimentou no ano passado, um crescimento de 37,6% contra 2019, antes da pandemia 

O portfólio da Cimed está atrelado a produtos de consumo de hábitos diários, e remédios de uso contínuo. O que garante à companhia uma receita crescente e recorrente. Do faturamento da empresa, 65% são relativos a remédios e 35% vêm dos chamados não-medicamentos. Para Fernando Moulin, a farmacêutica atua agressivamente no setor há vários anos, com políticas de trade e posicionamento bem direcionadas. “É muito difícil não encontrar produtos Cimed com preços competitivos em qualquer ponto de venda, seja ele físico ou virtual. Disponibilidade é algo muito importante no segmento.”

FINTECH Das pouco mais de 80 mil farmácias do Brasil, 98% são atendidas diretamente pela Cimed, com seus 26 centros de distribuição. A maior parceira do grupo é a Raia Drogasil, que representa 5% do negócio da empresa, o que dá a dimensão do atendimento capilarizado. “Em pedidos acima de R$ 300, estamos entregando no País todo”, disse a vice-presidente Karla Felmanas, 47 anos, que antes de entrar no negócio da família, três décadas atrás, abriu uma confecção em sociedade com uma amiga. Mas deixou a moda para atuar na farmacêutica. “Temos hoje a maior força de vendas.” Além dessa diversificação, a Cimed atua como agente de microcrédito para as revendas, com parcelamento e prazos dilatados para pagamento.

João Adibe observa os pontos positivos no atendimento financeiro a esse varejo independente. “São mais de 40 mil farmácias que faturam menos de R$ 50 mil por mês. Nós damos assistência a esse cliente”, afirmou, ao apontar as questões social e de saúde embutidas na iniciativa. “Algumas farmácias são os postos de saúde das cidades.” A partir disso, tornar-se uma fintech é um passo natural da companhia. “Pensamos nisso.”

A consultoria Ace Cortex entrou recentemente como parceira na jornada, para acelerar os avanços do portal de vendas B2B, organizar recebíveis, entender melhor as necessidades das farmácias e dos representantes. “Dentro da nossa visão, seguir nessa estrada sozinho é mais difícil”, disse Adibe. Uma fórmula única. E vencedora.

ENTREVISTA: João Adibe Marques 
“Temos concorrentes preparados, o que nos provoca para sermos mais preparados ainda”

Claudio Gatti

Quais as principais características e desafios do mercado farmacêutico no Brasil?
Nascemos em um negócio familiar, tradicional do ramo farmacêutico. Eu, com 50 anos, sou a quarta geração que trabalha na empresa. Meus filhos já estão atuando aqui. A indústria cresceu aprendendo com os desafios do Brasil. No nosso setor, a indústria nacional é maior do que as multinacionais. O Brasil é o sexto ou sétimo maior mercado farmacêutico do mundo que cresceu nos últimos anos acima de dois dígitos.

O que levou a esse crescimento?
Primeiro, pelo envelhecimento da população. O grande propósito da longevidade é envelhecer com qualidade de vida. Em segundo, o mercado cresce porque há grande quebra de patente, e o acesso fica facilitado. O genérico oferta acesso a todas as classes. Temos concorrentes preparados, o que nos provoca para sermos mais preparados ainda. É um setor com mais de 300 farmacêuticas. A líder não tem share acima de 6% ou 7%.

E o que considera ser seu diferencial?
Nosso modelo de negócio é único. Desde os anos 1990 tomamos a decisão de ter a própria cadeia de distribuição. Somos os únicos assim. O Brasil tem 80 mil farmácias e 98% delas são atendidas diretamente pela Cimed. Além de produzirmos todo nosso material gráfico. Tudo que gerava custo nós queríamos internalizar. Nosso princípio é de acessibilidade com rentabilidade. A Cimed joga no Brasil de 200 milhões de habitantes. Nossos produtos não têm classe social. Isso é um dos sucessos de nosso crescimento.

Qual é o atual momento da empresa?
Começamos o processo de profissionalização da empresa em meados de 2017. Em 2019 demos o maior passo de investimento, que é o Projeto Mais, de construção da nova fábrica. Vamos mudar de patamar. Eu vivi a fábrica antiga. Quem chega lá agora e vê nossa planta, fica deslumbrado. Temos um setor muito regulamentado. Construir uma fábrica nova é muito difícil. Foram quase dois anos de projeto e documentação. Fizemos a primeira captação de dinheiro, uma alavancagem de R$ 200 milhões. Chegou o início de 2020, veio a pandemia. Estávamos capitalizados e com tudo contratado. A sugestão de muitos foi tirar o pé. Qualquer empresário iria parar a obra. Nós, com todos os cuidados, aceleramos. E hoje está em funcionamento.

Quais os próximos passos?
É tecnologia. É nosso mantra daqui para frente. Em P&D, temos nosso centro. A nova fábrica está pronta, a anterior continua em produção, temos um modelo de distribuição eficiente. Em 2023 o investimento maior será na contratação de pessoas.

A empresa tem sido afetada por falta de abastecimento de insumos?
No nosso ramo, 95% da matéria-prima vem de fora, da China e da Índia, basicamente. O mercado ficou represado, o consumo diminuiu em determinados momentos de 2020 para cá. E de uma hora para outra voltou. Aí colapsou. Não chegou a faltar a molécula, mas algumas coisas, sim. Os estoques de 30 dias passaram para dez dias.