Os cientistas sociais brasileiros vivem a expectativa de “tempos de mudanças”, sentem “incertezas e angústias” quanto à sobrevivência e ampliação do campo de atuação da inteligência no país a partir de 2019, quando assume o novo presidente da República a ser escolhido no próximo domingo (28). A avaliação é do cientista político Fabiano Santos, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) que, na noite de ontem (22), participou da abertura da reunião anual da entidade, regularmente realizada em Caxambu, no sudeste de Minas Gerais (a 380 km de Belo Horizonte).

O encontro este ano reúne mais de mil cientistas sociais que apresentarão seus trabalhos em uma centena de mesas redondas, grupos de trabalho e simpósios de pesquisa e colóquio.

Em entrevista à Agência Brasil, o professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) mostrou-se preocupado com a atual “asfixia econômica” e com a possibilidade de mais cortes de verbas para o ensino e a pesquisa “para fazer ajuste fiscal”, como ocorre, segundo ele, desde a recessão econômica iniciada em 2014. “É importante notar que isso é um trabalho, de décadas, de construção de um parque científico e tecnológico que muita contribuição dá ao desenvolvimento brasileiro, inclusive no âmbito das ciências sociais”, destacou Fabiano Santos.

Intolerância e incompreensão

Segundo ele, a redução de investimentos ocorre, muitas vezes, pela incompreensão no mundo político e na sociedade sobre o papel e a importância da sociologia, antropologia e ciência política. “A contribuição das ciências sociais é essencial no sentido de pacificação, estabilização, no sentido de encontrar caminhos de desenvolvimento”, lembrou Santos.

O cientista político também falou sobre riscos de que incidentes de intolerância social e violência continuem ocorrendo nas universidades. “Não é possível pensar numa trajetória do país para desenvolver e aprofundar a sua democracia com episódios de violação [de direitos] nos quais a universidade é tida como lugar em que é possível a intolerância e a violência. Não há paralelo em países desenvolvidos no qual a universidade não é vista como algo fundamental, um lugar de reflexão crítica e plural”.

O antropólogo Otávio Velho, professor emérito do Museu Nacional (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), defendeu aproximação dos cientistas sociais com as representações das demais áreas de conhecimento científico e com a SBPC.

Durante exposição na abertura do evento, ele lembrou que a Anpocs foi criada em 1977 e que, durante a ditadura militar, a comunidade científica sempre achou interlocutores. Segundo ele, foram feitas “coisas boas no passado e isso vai continuar acontecer conosco”. Tentando evitar o pessimismo, Velho ponderou: “não podemos projetar o que aconteceu num futuro que não sabemos o que nos aguarda”.

Em entrevista à Agência Brasil, Otávio Velho assinalou preocupação com as populações estudadas pelas ciências sociais. “No caso da antropologia particularmente, que é a minha área, nos preocupamos com visões colocadas em relação às minorias étnicas, sobretudo em relação aos índios e aos negros. É importante que a posição desses grupos na sociedade brasileira seja cada vez mais reconhecida e valorizada como sendo uma riqueza do patrimônio nacional”.

Propostas dos presidenciáveis

Nos programas de governo disponíveis no site do TSE, os dois candidatos que disputam o segundo turno das eleições presidenciais trazem propostas para as áreas de ensino pesquisa e tecnologia.

Jair Bolsonaro (PSL) avalia que “o modelo atual de pesquisa e desenvolvimento no Brasil está totalmente esgotado” e que “as universidades, em todos os cursos, devem estimular e ensinar o empreendedorismo”. Segundo o programa de governo, os egressos do curso superior precisam sair da faculdade “pensando em transformar o conhecimento obtido (…) em produtos, negócios, riqueza e oportunidades”. Para o candidato, “o Brasil deverá ser um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em grafeno [condutor de calor e eletricidade] e nióbio [utilizado em ligas metálicas], gerando novas aplicações e produtos”.

Fernando Haddad (PT) propõe a implementação de plano decenal para viabilizar investimentos “tanto governamentais quanto empresariais” em pesquisa científica (meta de 2% do PIB). O candidato defende “a recomposição e ampliação do Sistema Nacional de Fomento de Ciência, Tecnologia e Inovação”, a associação entre “universidades e centros de excelência em pesquisas públicas e privadas” em “áreas estratégicas” como manufatura avançada, biotecnologia, nanotecnologia, fármacos, energia e defesa nacional.

 

 

*O repórter viajou a convite da Anpocs