Faixa preta em caratê, Paulo Caffarelli é conhecido por seu gosto pelo condicionamento físico. Seu dia começa invariavelmente às 5:30 da manhã e, antes de iniciar os trabalhos, ele passa em média 90 minutos na academia. Essa rotina vinha garantindo a ele fôlego para manter a rentabilidade do Banco do Brasil, cuja presidência assumiu em maio de 2016. Agora, o paranaense de Cornélio Procópio, filho de um frentista, e funcionário de carreira do BB, onde começou a trabalhar aos 16 anos, terá outro desafio. Precisará suar a camisa para colocar em forma os resultados de outro líder de mercado, a processadora de transações financeiras Cielo.

Por qualquer métrica, ela é uma empresa grande. Controlada por BB e Bradesco, é responsável pela compensação de cerca de 45% dos R$ 1,4 trilhão em compras realizadas todos os anos com cartões de débito e crédito. Na quarta-feira 31, ela anunciou um lucro líquido ajustado de R$ 812 milhões e um faturamento consolidado de R$ 2,96 bilhões referentes ao terceiro trimestre de 2018. A receita cresceu modestos 1,1%, mas o lucro encolheu 20,1% ante o mesmo período de 2017 (observe o quadro). E, no ano, suas ações amargaram uma queda de exatos 40% nos pregões da B3.

O que tem afetado as cotações na bolsa? Mesmo sendo uma empresa estabelecida e rentável, seu desempenho futuro tem sido colocado em xeque pelos especialistas. Com 1,66 milhão de terminais instalados, a companhia é a líder no comércio tradicional. No entanto, o segmento mais cobiçado pela concorrência passa longe dos balcões hoje dominados pelas suas maquininhas. O que vem atraindo novas processadoras de transações, como PagSeguro e Stone, é a miríade de pequenos empreendedores que surgiu com o aumento do desemprego. Os motoristas, entregadores e vendedores ambulantes que precisam cobrar por seus produtos e serviços são muito sensíveis a preço. Gigantesco, esse segmento é considerado muito mais promissor que o varejo já estabelecido. “Os resultados fracos da Cielo refletem um mercado com concorrentes novos e importantes, disputando clientes em uma economia ainda em recuperação”, avalia Raul Grego, analista da Eleven Financial.

IPO da PagSeguro, em janeiro: valendo o mesmo que a Cielo em bolsa, apesar da participação muito menor

A avaliação dos investidores mostra isso. Em janeiro, a PagSeguro captou US$ 2,3 bilhões ao listar suas ações em Wall Street. No fim de outubro, a Stone levantou US$ 1,5 bilhão em uma abertura de capital na Nasdaq, bolsa americana especializada em ações de tecnologia. Ambas possuem fatias de 3% a 5% do mercado, avalia Boanerges Ramos Freire, fundador da Boanerges & Cia., consultoria especializada no varejo financeiro. Na quarta-feira 31, a PagSeguro valia US$ 8,8 bilhões e a Stone estava avaliada em US$ 7,7 bilhões. Para comparar, nessa data, seria possível comprar a Cielo por US$ 9,2 bilhões. “Uma empresa com 45% de participação no mercado está valendo o mesmo que as concorrentes que possuem 5%”, diz Freire. “Deve haver erros de avaliação nos dois casos.” Em seu pico, em junho de 2014, a líder chegou a valer US$ 32 bilhões, mas essa cifra vem encolhendo sistematicamente desde então.

O principal motivo é a mudança na regulamentação. Durante mais de duas décadas, Cielo e sua arquirrival Rede, controlada pelo Itaú Unibanco, dividiram o processamento das transações com cartões e desfrutaram de margens de lucro que chegaram a 30% ao ano. No início da década, o Banco Central (BC) facilitou a entrada de novos concorrentes para reduzir os custos para o varejo. Demorou, mas a mudança tornou-se uma realidade. Hoje, a Rede possui cerca de 30%. A GetNet, controlada pelo Santander, é a terceira no ranking, com cerca de 15% de participação. E PagSeguro, Stone e outras processadoras menores ficam com os 10% restantes. A estratégia de todas elas é buscar abocanhar negócios pertencentes à líder de mercado.

Caberá a Caffarelli estancar esse processo e tentar revertê-lo. Ao divulgar os resultados, Clovis Poggetti Jr, vice-presidente financeiro da Cielo, disse que a estratégia será atender a todos os clientes, com um portfólio diversificado de produtos e serviços. Um dos destaques, disse ele, é o crescimento das maquininhas da Stello, destinadas a concorrer diretamente com a Moderninha, principal produto da PagSeguro. “A Stello vem crescendo 400% ao ano”, diz Poggetti. “Ela complementa nossa oferta de valor para todos os segmentos do varejo.” Resta saber se isso será suficiente para permitir ao carateca Caffarelli desferir um golpe certeiro nas ambições da concorrência.