Snoopy, o simpático personagem dos quadrinhos usado na publicidade da seguradora americana MetLife, deve estar chocado. A empresa foi multada em R$ 352 mil pela Fundação Procon e está sendo investigada pela Superintendência de Seguros Privados por ter inserido cobranças de seguros sem autorização em contas da AES Eletropaulo, que foi multada em R$ 3,64 milhões. Combinadas, as autuações são as maiores já aplicadas neste tipo de infração. Segundo o Procon, entre junho de 2016 e janeiro, pelo menos 100 mil consumidores na Grande São Paulo – onde a AES atende 20 milhões de pessoas – pagaram de R$ 7 a R$ 34 por mês por seguros de vida e planos odontológicos da MetLife.

Detalhe: eles não haviam contratado esses produtos. Segundo o Procon, as gravações inseridas nos processos de defesa apresentados pelas próprias companhias mostram que os consumidores não solicitaram o serviço, ou que receberam outras ofertas, como de conserto de eletrodomésticos. Ainda assim, os seguros foram cobrados. As queixas de consumidores que não conseguiam cancelar os serviços nem reaver os valores pagos fizeram o Procon notificar as empresas no fim de janeiro. As companhias apresentaram suas defesas no dia 2 de fevereiro. Depois do estrago, fizeram a lição de casa para corrigir a situação.

Informaram ter estabelecido números telefônicos para que os consumidores pudessem ligar gratuitamente, declararam a intenção de ressarcir em dobro, com juros, o que foi cobrado indevidamente – conforme manda a lei. E se comprometeram a parar de vender os serviços. As medidas atenuaram as multas, que poderiam chegar a R$ 8,9 milhões e foram aplicadas na quinta-feira 10. Cabe recurso. Entre 27 de janeiro e a segunda-feira 6, o Procon recebeu 373 reclamações. “Muitos consumidores ainda estão tomando ciência das cobranças, então o número deve aumentar”, diz Paulo Miguel, diretor do Procon de São Paulo.

O principal problema foi a forma de cobrar. As regras são claras – e não foram cumpridas. Em 2013, a resolução nº 581 da Aneel autorizou as distribuidoras a usar a conta de luz para cobrar por atividades acessórias, como seguros. No ano anterior, a circular n° 440, de junho de 2012, da Susep, regulamentou a contratação de microsseguros via conta, mas exigindo que o consumidor autorizasse essa contratação verbalmente. Os procedimentos estabelecidos pela Susep não foram cumpridos nem pela AES Eletropaulo, nem pela MetLife. Entre eles, a necessidade de a conta informar o nome e o CNPJ da seguradora, as coberturas contratadas e a vigência da cobertura.

Os consumidores não receberam as apólices dos seguros e, no caso do plano odontológico, nem as carteirinhas para usar o serviço, segundo o Procon. Em algumas contas, a cobrança aparecia em nome da AES Odonto, empresa que, até a terça-feira 7, não constava dos registros da Susep. A Superintendência informou que foi aberto um processo interno para analisar o caso. Se as denúncias forem confirmadas, “serão aplicadas as sanções previstas”, informou a Susep, sem explicar quais são elas. A cobrança irregular não surpreendeu o Procon.

“Avisamos, na época, que essa regulamentação traria problemas, pois em autorizações por telefone, muitas vezes, o consumidor é induzido a responder que tem interesse, sem saber que está comprando”, diz Miguel. A decisão afeta a estratégia das empresas. Segundo a AES Eletropaulo, a MetLife é a principal parceira comercial da AES Ergos, subsidiária da distribuidora de energia. Criada em abril de 2016, sua meta é faturar R$ 1,2 bilhão até 2020 buscando parcerias. Segundo Mauro Alves da Silva, ex-representante dos consumidores de Classe Residencial no Conselpa, o conselho de consumidores da AES Eletropaulo, apesar de essa prática ser autorizada pela Aneel, a cobrança do serviço tem de ser prévia e formalmente autorizada pelo consumidor.

Ele questiona como a seguradora obteve os dados. “Identificamos no site da seguradora que a AES Eletropaulo é sua cliente, e isso pode levar à suspeita de que os dados cadastrais dos consumidores da AES Eletropaulo teriam sido repassados à MetLife”, diz. Procurada, a AES Eletropaulo alegou estar em “período de silêncio” antes da divulgação de resultados, marcada para 24 de fevereiro. Em sua página do Facebook, ela informa aos consumidores que “as cobranças indevidas estão sendo estornadas, e que o erro foi da MetLife.” Já a seguradora informou, em nota, que “já prestou todos os esclarecimentos solicitados pelo Procon-SP” e que está “atuando prontamente após a identificação do ocorrido”.

As ações da distribuidora caíram. Recuaram 4,6% entre 26 de janeiro e a terça-feira 7, ante uma baixa de 3,1% no Índice Bovespa. Não é a primeira vez que a MetLife se vê envolvida em confusões desse tipo. Em maio de 2016, a reguladora americana Financial Industry Regulatory Autority (Finra) multou a MetLife nos Estados Unidos em US$ 25 milhões, um recorde. US$ 5 milhões foram para indenizar 25.560 consumidores lesados em suas apólices de seguro entre 2009 e 2014. A empresa manteve o preço, mas reduziu as coberturas, sem informar as mudanças aos segurados.