A expressão “crescimento chinês” se tornou, nas últimas décadas, sinônimo de forte expansão de qualquer economia, empresa ou setor produtivo. Embora tenha caído em desuso com o recente agravamento da crise global — e a consequente desaceleração do ritmo da própria China —, a metáfora voltou a fazer sentido e a mostrar sua força no primeiro trimestre deste ano. Nesse período, a segunda maior economia do mundo divulgou uma aceleração de 18,3% na comparação com os três primeiros meses de 2020. A expansão é a maior para o trimestre desde 1992, quando os dados começaram a ser divulgados. Até agora, o crescimento mais robusto havia sido contabilizado nos primeiros três meses de 1993, com a taxa de 15,3%.

A alta recorde surpreende ainda mais pelo contexto de crise global em que se deu. Especialistas atribuem a disparada do recente crescimento chinês ao represamento da atividade econômica internacional em 2020, em decorrência da pandemia. A Covid-19, cujo primeiro foco foi na China, não poupou o gigante asiático, levando o PIB do país a uma retração de 6,8% no último ano. As locomotivas da recuperação foram a construção civil e as exportações. Além disso, a produção industrial saltou 14,1% em março. Os investimentos em capital fixo registraram crescimento de 25,6% desde o início do ano.

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Como parte da recuperação chinesa se deve à retomada das encomendas internacionais, dificilmente os índices serão mantidos nos próximos trimestres. “A tendência é desaceleração daqui em diante, ainda assim com estabilidade em patamar bem acima da média global”, disse Hao Zhou, economista do Commerzbank, em uma nota a clientes. Para a economista Serena Zhou, da Mizuho Securities, de Hong Kong, a reação era esperada devido às ações adotadas pelo governo para controlar a pandemia, como lockdown e vacinação em massa. Para ela, a velocidade de expansão da economia será reduzida conforme o governo retire alguns estímulos. “Gradualmente, a economia da China volta ao ritmo normal.”

O Escritório Nacional de Estatísticas do país reconhece que o crescimento de quase 20% é um ponto fora da curva, mas aponta para um cenário positivo no cenário global já que o aumento das exportações é um termômetro de que outros países estão em trajetória de alta. “A economia chinesa estava paralisada pelo vírus no começo de 2020, deixando a base de comparação entre os trimestres distorcida”, afirmou a porta-voz do governo de Pequim, Liu Aihua.

Com a economia embalada, o maior de todos os desafios do país será reduzir o desemprego. Apesar de 5,3% parecer um patamar aceitável para os níveis brasileiros, é muito para os padrões da China — com 1,4 bilhão de habitantes, quase sete vezes a população do Brasil. O percentual atingiu o máximo histórico de 6,2% em fevereiro do ano passado, mas a estratégia do governo em determinar a abertura de 11 milhões de novos empregos nas cidades deu certo. Até o fim do ano, a meta é reduzir a desocupação para menos de 4,5%. Os índices não levam em conta os mais de 300 milhões de trabalhadores das zonas rurais que foram muito afetadas pela epidemia.

ESTADOS UNIDOS A manutenção do crescimento chinês nos próximos meses dependerá, principalmente, dos acordos com a indústria americana e dos rumos da política comercial entre as duas maiores economias. Na semana passada, o clima ficou mais tenso depois que o presidente Joe Biden encomendou um estudo para nacionalizar a produção de itens essenciais que migraram para a China nos últimos anos. Um dos exemplos citados pelo presidente dos EUA foi o setor de microchips, que afetou principalmente a indústria automobilística quando a China se viu obrigada a decretar lockdown em seus principais centros industriais.

Outra ferida que precisa ser cicatrizada entre chineses e americanos é a escalada das tensões territoriais na Ásia. Na semana passada, Biden afirmou que EUA e Japão vão enfrentar juntos os desafios trazidos pela China. A declaração foi dada em coletiva de imprensa com o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, primeiro líder estrangeiro recebido por Biden na Casa Branca. De acordo com o presidente americano, os dois governos estão comprometidos a trabalhar juntos para abordar os desafios que Pequim traz em temas como o Mar do Leste da China, o Mar da China Meridional e a Coreia do Norte. O premiê japonês assegurou que os dois países vão se opor a “qualquer tentativa” de Pequim de “mudar o status” à força — ou por intimidação na região.

UM OLHO CÁ, OUTRO LÁ O presidente chinês Xi Jinping pretende manter o crescimento sustentado com expansão do mercado interno e o aumento das exportações. (Crédito:EyePress News/EyePress via AFP)

Com a continuidade das incertezas no cenário internacional e a transição da China em direção a uma economia mais voltada ao consumo e aos serviços, a aposta no consumo doméstico ainda faz sentido. O coronavírus expôs o quão dependente o mundo é da China, com os países prometendo ser mais autossuficientes em meio a um impulso dos Estados Unidos para uma dissociação entre as duas maiores economias.

Seja com ou sem a ajuda dos Estados Unidos, a China mostra que está pronta para voltar a crescer à moda antiga, resgatando o significado da expressão “crescimento chinês” e, de quebra, ensinando ao mundo como sair da UTI.