Copa América? Eurocopa? Olimpíada de Tóquio? Bobagem. A competição mais importante do ano está rolando na estratosfera. E a China está goleando geral. Na quinta-feira (17), seu projeto espacial lançou três astronautas para a estação espacial do país, a Tiangong (Palácio Celestial). O papel deles é fazer ajustes finais na unidade e iniciar uma permanência contínua de uma década de homens do país no espaço. O endereço orbital chinês concorre com a inciativa de Estados Unidos e Rússia, a International Space Station (ISS), que começou a ser construída em 1998 e é tripulada desde novembro de 2000. O problema é que sua vida útil tem mais três anos. Depois, só na gambiarra ou construindo outra. Na prática, a chance é grande de que a partir de 2024, e por algum tempo indefinido, a única estação espacial seja a chinesa.

Os astronautas voaram para o espaço a bordo da Shenzhou-12, espaçonave que irá se acoplar aos dois módulos lançados anteriormente – na prática, é outro pedaço da estação espacial que orbita a quase 400km da Terra, coisa de 9km abaixo da ISS. Viajaram os taikonautas – como astronautas são chamados na China – Nie Haisheng, Liu Boming e Tang Hongbo. Eles ficaram três meses no módulo Tianhe, o primeiro da estação espacial, que deverá estar efetivamente concluída no ano que vem.

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Há dez anos, o congresso americano proibiu parcerias entre a China e projetos espaciais que envolvam os Estados Unidos. As justificativas foram as de sempre: “razões de segurança nacional”. Isso significou que nenhum cosmonauta chinês poderia visitar a ISS, formada por um consórcio de 15 países (EUA e Rússia à frente). O efeito concreto foi acelerar o programa chinês. A estação asiática deverá se tornar, com o fim das operações da ISS em 2024, um endereço diplomático. Isso porque Pequim se comprometeu junto ao escritório para assuntos espaciais da ONU (Unoosa) a receber membros de qualquer país que enviasse um projeto de pesquisa espacial. Em 2019, nove deles, de 23 instituições de 17 países, foram aceitos. Nenhum brasileiro, é óbvio.

O lançamento da quinta-feira faz parte de 11 missões para concluir a construção da estação. Em 2003, o país havia se tornado, além dos Estados Unidos e da Rússia, o único a completar a façanha de forma independente. Mas nada que simbolicamente represente a missão espacial atual. Não é de graça que o taikonauta líder é Nie Haisheng, de 56 anos. Ele é um ex-piloto de caça e veterano de duas missões anteriores, em 2005 e 2013.

Nie, que tem doutorado, é uma espécie de herói espacial chinês. Nascido em 1964 na província de Hubei, no centro da China, vem de origem financeira humilde e morava em um vilarejo com seis irmãs mais velhas e um irmão mais novo trabalhando em fazendas. Apaixonado por aviões e literatura, depois do ensino médio ele se tornou membro da Força Aérea, em 1984. Em 1989, quando voava sozinho em um avião recém-modificado, o motor sofreu uma pane e ele se recusou a deixar a aeronave e tentou salvar o aparelho até o último instante – consta que só se ejetou e menos de 500m acima do solo. Pelo gesto, foi premiado.

Segundo a imprensa do país, Nie adora pescar e é ótimo cozinheiro. Yang Liwei, o primeiro astronauta da China a entrar no espaço, o descreveu como sendo persistente, intrépido e prudente. “Ele não fala muito. Mas é uma pessoa trabalhadora e cooperativa”, disse Liwei. Com esse veterano estão também o general Liu Boming, 54 anos, que já voou ao espaço em 2008, e o coronel Tang Hongbo, 45 anos.