Sempre que tem oportunidade, o empreendedor Francisco de Sousa Rêgo, 39 anos, gosta de contar uma pequena história que ajuda a definir tanto sua trajetória pessoal, quanto sua decisão de se tornar empreendedor. Em resumo, é o seguinte: quando era criança, sua mãe o levava todos os dias à escola e fazia questão de passar em frente ao Centro Federal de Educação Tecnológica de Curitiba. Diante do prédio, ela falava que ele teria de se esforçar muito para ingressar no curso de engenharia. Caso contrário, só lhe restaria a opção de trabalhar como lixeiro. “Por coincidência, sempre passava um caminhão do serviço urbano de limpeza, nesta hora!”, lembra. O tempo passou e Chicko Sousa, como ele é mais conhecido, se orgulha em dizer que vem desempenhando os dois papéis.

É que depois de graduar-se em engenharia mecânica e ter trabalhado por cinco anos na subsidiária da Volvo – em Curitiba, e na fábrica de motores da matriz, em Skovde, na Suécia –, Chicko passou a ganhar a vida com lixo. Mais especificamente com a gestão de resíduos. Sua mais nova tacada é a Plataforma Verde que, apesar de estar no mercado há pouco menos de dois anos, já tem história para contar. A mais importante delas é o prêmio Technology Pioneers, concedido no final de junho pela direção do Fórum Econômico Mundial.

Luxo no lixo: o mercado de resíduos urbanos movimenta R$ 8 bilhões, no Brasil (Crédito:Divulgação)

Na prática, isso significa que nos próximos dois anos Chicko viverá na ponte aérea São Paulo-Dongguan (China), uma das três bases globais do grupo multidisciplinar que estuda a 4ª Revolução Industrial. As demais são Chicago e Pradesh (Índia). “Do ponto de vista prático, o que eu ganhei foi mais trabalho”, diz ele, em tom irônico. Brincadeiras à parte, a atuação neste seleto círculo integrado por pesquisadores das maiores universidades do planeta, técnicos de grandes empresas e líderes de startups inovadoras deverá abrir as portas do mundo para a nascente Plataforma Verde. Incluindo um contato mais estreito com os bancos de fomento e os fundos de investimentos especializados em negócios disruptivos.

O empreendedor diz, porém, que ainda é cedo para a entrada de um sócio investidor. Para fundar a Plataforma Verde, Chicko desembolsou cerca de R$ 2 milhões, oriundos dos conhecimentos e ganhos no período que trabalhou na gigante sueca e também na Kapersul coligada a Milie Papéis, de Curitiba. Foi nesta última que se deu sua conversão ao universo da gestão de resíduos, quando foi convidado pelo controlador da empresa a desenvolver um projeto de reciclagem de plásticos. Como não entendia do tema, acertou com o novo patrão para permanecer um ano na Europa, estudando sobre este mercado.

Para aprender, ele se voluntariou para trabalhar de graça. “Fui operador de extrusora em empresa de reciclagem de plásticos na Espanha, laboratório químico na Alemanha, atuei na concessionária municipal de lixo de Milão, e passei por outros cargos e funções em diversas companhias do setor”, conta. De volta ao Brasil, o empreendedor colocou em prática tudo o que aprendeu no Velho Continente. Até que, em 2014, ele decidiu se aventurar em carreira-solo. Mudou-se para São Paulo, onde desenvolveu um projeto-piloto para as concessionárias Loga e Ecourbis, que gerenciam a coleta de resíduos da cidade.

Naquele momento, o trabalho se resumia a fazer um acompanhamento da coleta seletiva realizada em São Paulo. O aprendizado acabou rendendo o insight para o negócio atual. A validação do projeto do que seria a Plataforma Verde se deu a partir de um acordo com a direção da fábrica da Renault, situada em São José dos Pinhais (PR). “Comecei a empresa com um cliente e a perspectiva de faturamento zero no primeiro ano”, diz. “Hoje, estamos com 1,3 mil parceiros e faturamento mensal de R$ 120 mil”. A lista de clientes inclui gigantes como Lojas Riachuelo, Estre, Solví e Eurofarma.

A Plataforma Verde funciona por meio de assinatura, cujo valor está na faixa de R$ 249, por mês. O pagamento possibilita aos clientes o acesso a uma série de serviços: indicadores de performances e de desempenho, além do monitoramento de todos os produtos descartados, bem como todas as questões legais ligadas ao processo. Tudo é gerenciado por uma estrutura de blockchain, o que ajuda a dar confiabilidade ao sistema.

Chicko possui uma visão bem pragmática do setor no qual atua, e da sua contribuição para o desenvolvimento sustentável. “Até bem pouco tempo ninguém prestava a atenção nas embalagens e em como elas seriam descartadas. Hoje, elas se converteram numa commodity, cujo processo de reciclagem tem um custo elevado”, destaca. Isso, no entanto, não deverá inibir a evolução do setor. “Acredito que o segmento de resíduos, sólidos (incluindo a coleta, a reciclagem e a gestão do processo) tem potencial para triplicar de tamanho, passando dos atuais R$ 8 bilhões para R$ 24 bilhões”.

É com esse tipo de abordagem que o fundador e CEO da Plataforma Verde pretende colaborar com a 4ª Revolução Industrial. CEO, não. O empreendedor diz que o nome correto de seu cargo é líder rebelde. Afinal, ele comanda uma empresa na qual atuam padawans, storm troopers e jedis. Os amantes da saga Star Wars hão de entender.