Há duas semanas, tanto a Nasdaq quanto a S&P 500 fecharam com altas recordes. A Apple chegou ao valor inimaginável de US$ 2 trilhões de dólares. Para se ter uma noção de grandeza dessa marca, considere que o PIB do Brasil em 2019 foi de US$ 1,3 trilhão (na cotação atual do real). A empresa da maçã rompeu a barreira do trilhão em 2018 e já dobrou a meta em outros dois anos.

Nesse meio tempo, outras três gigantes se juntaram ao clube do trilhão: pela ordem de valor, Amazon, Microsoft e Google. Também recentemente, o Mercado Livre tornou-se a maior empresa da América Latina, suplantando gigantes como Vale e Petrobras.

Estes marcos dão uma ideia do quanto o setor de tecnologia tornou-se importante para a economia mundial, a ponto de ficar relativamente protegido do maremoto que sacudiu outras atividades com a chegada da pandemia. Nos EUA, atualmente 7 das 10 maiores empresas listadas no S&P 500 são do setor de tecnologia, um dado que confirma o poder das tech giants para reconstrução da economia global no pós-Covid.

Outro exemplo virtuoso é o Airbnb. Quando o mundo paralisou por conta do Covid, uma grande parte da equipe foi demitida e o CEO mandou uma comunicação aos remanescentes de que a empresa deveria mudar o foco para se concentrar em seu core business. Em junho, o faturamento voltou a subir e em julho os clientes da plataforma reservaram mais de um milhão de noites em um único dia – algo que não ocorria desde 3 de março.

No último dia 19 de agosto, o Airbnb afirmou ter feito aos órgãos reguladores dos EUA pedido confidencial para um IPO ainda em 2020. Se o Airbnb avançar, a abertura de capital será tornada pública próximo ao momento da listagem. Em comunicado, a empresa afirmou ainda não ter determinado o número de ações a serem vendidas ou o valuation e nem sequer fechou um cronograma de quando ele poderá ser concluído.

O movimento do Airbnb é simbólico porque demonstra por meio de um relevante player global a aceleração de uma tendência que também poderá avançar por aqui: as startups devem buscar fôlego financeiro por meio de ofertas públicas de ação.

Aqui no Brasil, antes da pandemia o quadro era promissor. O ano de 2019 recebeu o maior volume de investimento em startups, liderados por fundos de venture capital, fazendo do país o terceiro maior gerador de unicórnios no mundo. Temos, ao todo, 9 unicórnios e a Consultoria Distrito fez um relatório indicando uma dezena de empresas que poderiam ganhar esse status em 2020.

De olho na Bolsa

Ano passado também foi espetacular para a B3, com captação de R$ 90 bilhões em ações. Esperava-se que esse ano mantivesse a projeção de alta e fosse tão bom quanto 2007, quando mais de 60 IPOs foram realizados.

A procura por capital ia ao encontro do momento vivido por muitas empresas. Depois de sofrerem os efeitos da crise econômica, um bom número de companhias demandava recursos, com inflação controlada, perspectiva de retomada do consumo e baixa taxa de juros.

A pandemia bagunçou bastante as previsões num primeiro momento com o Ibovespa despencando dos 100 mil pontos. Passado o pânico inicial, seis empresas já abriram capital. Ao todo, foram captados R$ 25 bilhões em 2020.

E por que os IPOs devem se intensificar entre startups?

No começo de 2020, quatro empresas brasileiras abriram capital na B3, entre elas uma veterana da Internet, a Locaweb. A companhia não só alcançou o valor máximo previsto (R$ 1,57 bilhão), como no primeiro dia de negociação subiu pra R$ 2,75 bilhões. A Stefanini, tradicional empresa brasileira do ramo de software corporativo, que tem operação em outros países, é outra do setor que ensaia um IPO desde 2007.

Uma boa razão para o avanço das startups na bolsa é que empresas avaliadas em até R$ 500 milhões fogem do tíquete médio dos grandes bancos para investimento. Outro ponto importante: com a taxa de juros a 2%, os investidores comuns não podem contar mais com a segurança da renda fixa, trazendo para bolsa um atrativo a mais. O mercado está, portanto, num momento em que o IPO pode ser uma saída mais lógica e interessante para dar fôlego e permitir tanto crescimento como ganho de escala.

É o caso da Enjoei, plataforma de venda de produtos na internet, que pretende captar cerca de R$ 500 milhões a R$ 600 milhões para aumentar o leque de produtos. A B3 já tem protocolados outros três pedidos de IPO de empresas de tecnologia.

Um deles é da Triple Play, um provedor de internet voltado a residências e que atua no segmento B2B em municípios de médio porte. Outro é da Sequoia Log, companhia de logística que emprega o uso de tecnologia em seus serviços e é líder no Brasil dentre as empresas privadas considerando o número de entregas realizadas no mercado de e-commerce.  A empresa pretende utilizar o dinheiro levantado para fazer aquisições no setor, otimizar estrutura de capital e investir em automação.

Há ainda a Allied, maior distribuidora de produtos eletrônicos de consumo no Brasil, representante das marcas Apple, LG, HP, Samsung, Motorola e Microsoft. A companhia reportou receita líquida de R$ 3,73 bilhões em 2019 e lucro líquido de R$ 107,9 milhões. Ela pretende empregar os recursos da oferta primária para abrir lojas físicas, investir em sistemas e plataformas de tecnologia, oferecer mais serviços financeiros, aquisições e balancear a estrutura de capital.

Por fim, a Méliuz, portal que disponibiliza cupons de desconto e cashback, também contratou bancos para coordenar o seu IPO, embora ainda não tenha feito o registro do pedido formalmente.

A expectativa é de que mais e mais startups optem pela abertura de capital para escalar seus negócios. Será que dessa vez a tendência deslancha?

 *   Pierre Schurmann é fundador e CEO da Keiretsu