Se no marketing a C&A é conhecida pelo slogan ‘Abuse e Use’, no mercado a melhor palavra que a define é discrição. Seja entre concorrentes, fornecedores, prestadores de serviços e até mesmo funcionários, pouco se sabe sobre os números da rede varejista de moda, que tem 282 lojas no País e foi fundada na pequena cidade holandesa Sneek pelos irmãos Clemens e August Brenninkmeijer, em 1841.

A partir da próxima quinta-feira, porém, essa realidade deverá mudar. A varejista vai concluir sua oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), que deve movimentar cerca de R$ 2 bilhões. A estreia na B3 está marcada para a próxima segunda-feira, quando a marca se unirá às concorrentes já listadas Renner, Riachuelo e Marisa.

Se até o prospecto preliminar de abertura de capital foi feito no “modo secreto” da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no qual o documento protocolado não fica disponível ao público de imediato e começou a ser permitido este ano, as informações sobre sua saúde financeira sempre despertaram curiosidade entre analistas.

A partir da próxima semana, porém, além de cumprir as leis das companhias de capital aberto e revelar seus números de forma periódica, a varejista se ajustará às regras do Novo Mercado, segmento da B3 com maior exigência em termos de governança corporativa.

A operação do Brasil foi a escolhida para capitanear a abertura da “vida pública” da companhia. A rede terá valor de mercado entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões na estreia na Bolsa, dependendo do preço dado às ações. No piso da faixa indicativa – estabelecida entre R$ 16,50 e R$ 20 – há desconto em relação à Guararapes, dona da Riachuelo.

A margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) da C&A, que nada mais é do que uma métrica de rentabilidade operacional, foi de 7,4% no fim de junho. No caso da Renner, a margem Ebitda foi de 21,7%, e da Guararapes, de 12,6% – ou seja, o resultado da holandesa é mais fraco. Em número de lojas no Brasil, Renner e Riachuelo possuem, respectivamente, 360 e 315 pontos de venda.

Oferta disfarçada

A oferta será 60% primária e 40% secundária, que funcionará para a venda parcial de ações detidas pela Cofra Holding, da família Brenninkmeijer. Da oferta primária, que colocará dinheiro nos cofres da companhia, 90% dos recursos captados serão utilizados para o pré-pagamento de empréstimos entre empresas do mesmo grupo.

No mercado se chamou essa transação de “oferta secundária disfarçada”. Isso porque apenas 10% dos recursos que irão ao caixa serão destinados para o crescimento orgânico da empresa.

Essa destinação dos recursos da oferta fez o especialista em ações da Levante Investimentos, Eduardo Guimarães, recomendar que os investidores fiquem de fora do IPO.

“Gosto da exposição ao setor de varejo, devido à oportunidade de crescimento com a retomada da economia, mas acredito que existem empresas com uma melhor capacidade de execução e de crescimento, como Lojas Renner e Guararapes”, escreveu Guimarães, no relatório da Levante.

Risco alto

Na oferta, a holding venderá uma fatia de sua participação, mas seguirá controlando a empresa após o IPO. A promessa, contudo, é de que a holding dará mais autonomia à operação local, que deve acelerar o ritmo de reformas de lojas, utilizando, para isso, tanto os recursos da oferta quanto sua própria geração de caixa.

“Em nossa avaliação, o risco de execução do plano de expansão apresentado pela companhia é bem alto. Nos últimos três anos, a companhia apresentou taxa de crescimento de seus principais indicadores financeiros e número de abertura de lojas muito inferiores a outras empresas listadas no setor”, aponta relatório da casa de análise Eleven Financial.

Apesar de questionamentos vindos de investidores sobre a capacidade de execução da companhia, a demanda pelas ações da oferta estão robustas. Ela superou em três vezes o volume ofertado, considerando o piso da faixa indicativa de preço, ou seja, R$ 16,50. Investidores acreditam que, por conta do desconto, o risco em relação ao retorno é positivo.

Na oferta da C&A são coordenadores da oferta o Morgan Stanley (líder da operação), Bradesco, BTG Pactual, Citi, Santander e XP Investimentos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.