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Pregão da BM&F: nervosismo no mercado de dólar e de juros

Some-se ao nervosismo causado pelas mudanças de regras fora de hora dois fatos novos. Na segunda-feira, mais um banco americano, o JP Morgan soltou um relatório recomendando a diminuição das aplicações no Brasil com o argumento de que o candidato do governo, José Serra, poderia perder as eleições. No dia seguinte foi a vez da agência de classificação de risco Moody?s dar sua contribuição para o clima de nervosismo. Há alguns meses, a agência havia aberto a perspectiva de elevar a nota brasileira, mas cancelou essa possibilidade na semana passada. Em sua justificativa, disse que ?independentemente de quem vença a próxima eleição presidencial, o próximo governo vai enfrentar desafios ao tentar manter um superávit primário do Orçamento adequado?. A Moody?s alertou ainda que ?qualquer mudança no ambiente da taxa de juros ou taxa de câmbio terá implicações importantes nas necessidades de financiamento do governo.? O clima ficou ainda pior depois que os candidatos à Presidência começaram a falar em ?alongamento da dívida?, ?bomba-relógio? e outras referências preocupantes à situação das finanças públicas.

O clima ficou tão tenso que a Bolsa de Valores despencou 3,78% na quinta-feira e dois operadores mais exaltados trocaram socos em pleno pregão. Um velho fantasma virou motivo de discussão generalizada: o Brasil estaria numa trajetória parecida com a da Argentina. Seria uma questão de tempo para que o Brasil termine com um ?corralito? ou um confisco como o do Plano Collor. Até os políticos começaram a falar abertamente do risco de o País cair numa crise como a da Argentina. Quem observa atentamente a situação dos dois países, porém, não pode deixar de imaginar que uma comparação entre o Brasil e a Argentina é fruto de má informação ou má intenção. ?Quem disse que o Brasil pode virar a Argentina está exagerando muito. Isso é eficaz do ponto de vista eleitoreiro, pode render votos, mas só piora a situação do País?, diz o ex-ministro Mailson da Nóbrega. A situação brasileira está muito longe de se parecer com a Argentina, segundo o ex-ministro.

?O caso da Argentina é muito peculiar?, diz o economista José Julio Senna, sócio da consultoria MCM. ?Eles fizeram a aposta mais pesada que alguém poderia fazer no câmbio fixo e pagaram um preço altíssimo por isso.? A aposta na paridade cambial ? um dólar valia um peso ? provocou uma quebradeira geral quando a moeda se desvalorizou. ?Nossa situação é muito melhor?, completa Senna. Além disso, a estrutura e os fundamentos da economia brasileira são considerados muito mais sólidos. Ao contrário da Argentina, o Brasil tem um parque industrial forte e diversificado. Seus principais bancos são de capital nacional e nem teriam como deixar o País num momento de adversidade. E, apesar de todos os dossiês, disputas partidárias e brigas eleitorais, o Brasil tem uma situação política muito mais estável do que a Argentina. Aqui, os governos estaduais cumprem o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita os gastos públicos. Na Argentina, as províncias travam ? e vencem ? inúmeras quedas-de-braço com o governo central e não há quem controle os gastos públicos.

O excesso de pessimismo no mercado financeiro também se baseia num medo de que o governo brasileiro tenha dificuldades em rolar sua dívida, como alertou a Moody?s. É outro exagero, segundo os especialistas. ?A Moody?s errou feio?, diz o estrategista-chefe do HSBC, Dawber Gontijo. ?Não vai haver dificuldade nenhuma de rolar a dívida. Os prazos de vencimento estão melhores hoje do que estavam há um ano.? Nos últimos três anos, o governo tentou alongar os prazos de vencimento dos papéis. O que está fazendo agora, ao trocar títulos de prazo longo por outros mais curtos, é devolver parte dos ganhos dos últimos três anos. ?Em 2002, vence uma parcela pequena da dívida brasileira, não é motivo para todo esse barulho?, diz Senna, da MCM. Os vencimentos deste ano somam R$ 103 bilhões, ou 17% da dívida total. Caso haja problemas para girar os papéis, o governo tem R$ 52 bilhões em caixa como colchão de segurança. O maior problema pode vir para o próximo governo, caso haja um acúmulo muito grande de papéis vencendo no início do ano. Até agora, porém, a concentração de vencimentos é baixa, menos de R$ 30 bilhões no primeiro trimestre, o que ainda não é considerado motivo de preocupação.

É claro que o País está atravessando toda essa tensão por causa das incertezas de um ano eleitoral e das fragilidades da economia. Nos últimos oito anos, o Brasil cresceu a uma média muito baixa, de 2,4% ao ano. Sua dívida e seu déficit externo cresceram mais rápido do que a economia. O País precisa exportar mais para diminuir seu déficit externo, mas nos últimos tempos a situação internacional não tem ajudado. A Argentina, que consumia 10% das exportações brasileiras, afundou. De 1985 até o final da década de 1990, o comércio mundial cresceu ao ritmo entre 6% e 12% ao ano. Em 2001, cresceu apenas 1% e este ano não deve ser muito diferente. Tudo isso limita o crescimento brasileiro e evidencia as fragilidades da economia. Mas, nem por isso, o País está derretendo, como insinuam os discursos às vésperas da eleição ou de relatórios de bancos que gostam de jogar com a instabilidade da economia. ?Não há nenhum risco iminente?, diz Senna. ?Estamos muito melhor do que essa crise dá a entender.?

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