No momento que escrevo este artigo, a eleição presidencial americana ainda não está definida. É possível que ainda não tenhamos o resultado nem mesmo quando esta edição da DINHEIRO já estiver nas bancas. Em meio à incerteza eleitoral, há uma série de certezas aparentes. A primeira, e mais importante delas: mantidas as tendências, o Senado continuará sob o controle republicano, e a Câmara, sob o domínio democrata. Independentemente de quem tenha as chaves da Casa Branca, esse é o desenho mais eficiente do ponto de vista dos mercados. Ele garante que muito pouca coisa polêmica saia do papel, do pacote de aumento de impostos de Biden até uma mudança completa do sistema de saúde americano, ou mesmo ideias mais radicais, como o “Green New Deal”. Em geral, mercados gostam de governos que atrapalhem pouco – por não concordarem em quase nada.

Entretanto, quando existe concordância, a engrenagem realmente se mexe. Foi assim com a aprovação do CARES Act (sigla para a lei de ajuda e segurança econômica sancionada por Trump em março que injetou US$ 2 trilhões na economia para atenuar os impactos econômicos da Covid-19), e com certeza a engrenagem irá se mexer outra vez depois que a sombra da eleição passar. Com Trump ou com Biden, uma segunda leva de estímulos deverá vir por aí, medida nos trilhões de dólares. Ela virá porque o desemprego ainda gira em patamares altos, e isso mobiliza democratas e republicanos.

Combinando isso ao cenário de juros baixos até onde a vista alcança, e com a expectativa de uma vacina eficaz nos próximos meses, o ambiente para a recuperação da economia americana parece montado e, com ela, o desempenho positivo dos mercados. Apesar de tudo, essa performance não será uniforme para todos os setores. Com Biden na presidência certamente teremos uma maior regulação em geral, em especial sobre o setor financeiro, que deve mostrar desempenho abaixo do seu potencial de geração de valor. O setor de óleo e gás vai certamente ver seus subsídios reduzidos ou eliminados, e o setor de saúde vai sofrer enormes pressões. No curto prazo, mesmo com estímulos fiscais, as chamadas ações de reabertura (companhias aéreas, hotéis, restaurantes e afins) sofrerão mais com Biden do que com Trump.

Uma eventual reeleição significa a continuidade das políticas atuais, especialmente relacionadas ao uso de tarifas comerciais como meio de proteger empregos nos Estados Unidos. Trump deverá trabalhar no seu legado, o que necessariamente passa por reconstruir e proteger, a qualquer custo, a trajetória de crescimento da economia que marcou sua gestão até o começo deste ano. O setor de tecnologia continuará crescendo, com Biden ou com Trump. Aí quem manda não é a eleição, mas a pandemia. De qualquer maneira é preciso ficar de olho: tanto republicanos quanto democratas concordam que o setor precisa de mais regulação, especialmente nas mídias sociais.

Quem está fadada ao fracasso é a indústria de pesquisas eleitorais, e com ela a mídia tradicional americana que a patrocina. Pela segunda eleição seguida, os institutos não conseguiram capturar o sentimento do eleitor. Aí a transformação precisa ser radical – e os métodos, revistos completamente. Quem previu Joe Biden muito à frente de Trump está vendo a eleição mais concorrida dos últimos 20 anos.

Mercados reagem negativamente a incertezas, e quando elas saem de cena a reação é de alívio. A continuar assim, Senado e Câmara em mãos opostas representam a certeza de que tudo vai ficar, mais ou menos, como está. Nem onda azul, nem vitória incondicional do ‘trumpismo’. Nesse mundo de extremos, o sistema eleitoral americano está buscando encontrar, outra vez, o equilíbrio, o meio do caminho, mesmo que através da convivência forçada. Não quero desmerecer a importância da presidência dos Estados Unidos. Uma vitória tanto de Trump quanto de Biden manda um recado relevante, especialmente em relação à liderança, estilo de comunicação e a busca (ou não) pelo equilíbrio entre os extremos. O chefe do Executivo é o fio condutor dessa busca. O recado principal, entretanto, está sendo dado. Que o presidente, não importa quem for, tenha a capacidade para compreendê-lo.

Norberto Zaiet é economista com MBA pela Columbia Business School de Nova York, sócio-fundador da gestora de investimentos Picea Value e autor da coluna Direto de Wall Street no site da DINHEIRO.