No estado americano de Delaware, próximo à capital Washington, um juiz federal deve enfrentar uma tarefa um tanto peculiar: decidir quem de fato é o presidente da Venezuela, que fica a mais de 3.000 quilômetros. O imbróglio é causado pela determinação do presidente Donald Trump de embargar a compra do petróleo venezuelano, bem como o congelamento dos ativos da estatal PDVSA (Petróleos de Venezuela). Como consequência, a diretoria da subsidiária Citgo, no Texas, foi destituída por funcionários da empresa nos Estados Unidos, contrários ao regime de Nicolás Maduro. Assim como outros 50 países, eles reconhecem como líder do país o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó. Caberá à Justiça americana dizer quem está certo.

O veto americano será tão catastrófico que deve levar a uma queda extraordinária do PIB da Venezuela em 2019: 39%, segundo a consultoria Oxford Economics. O petróleo representa 95% do total das exportações do país, responsável por 40% do PIB.
No final de janeiro, a PDVSA entrou em uma lista de parceiros comerciais proibidos para americanos e seus ativos foram bloqueados nos Estados Unidos. A Citgo foi comprada integralmente pela estatal em 1990. Com sede em Houston, mas registrada em Delaware, a empresa é dona de três refinarias. Por isso, a importância, ao menos simbólica, da decisão da justiça federal de Delaware. Sob as leis americanas, o juiz pode seguir a decisão do chefe de estado americano, Trump, que tem poder constitucional de reconhecer outro chefe de Estado. Ou ele pode se eximir de tomar partido e classificar a questão como política e internacional.

Resistência: Maduro ainda se apoia na lealdade das Forças Armadas, mas ao menos 300 soldados já desertaram (Crédito:Schneyder Mendoza / AFP)

O estopim da disputa foi o episódio em que Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional venezuelana, órgão máximo do Legislativo local, se autodeclarou presidente do país. Mesmo sem a decisão da justiça americana, na prática, a PDVSA já perdeu a Citgo quando o Conselho de Administração, antes composto por executivos leais ao ditador Nicolás Maduro, foi substituído por indicados por Guaidó.

Os Estados Unidos são os maiores clientes do petróleo venezuelano. Uma alternativa para contornar o bloqueio seria recorrer a outros mercados, como a União Europeia e a China, mas a tarefa não é tão simples assim. “A Venezuela está endividada com a China”, afirma Carlos Souza, da Oxford Economics. “Redirecionar petróleo para lá não traria nenhuma nova receita, somente amortizaria parte da dívida.”

Aliados: Juan Guaidó (à esq) e Mike Pence, vice-presidente dos EUA, buscaram apoio militar do Grupo de Lima (Crédito:Diana Sanchez / AFP)

A Europa também não é uma saída realista. O Parlamento Europeu já reconheceu Guaidó como presidente. Sobraria então a Rússia, que anunciou apoio a Maduro e vem enviando aviões militares para a Venezuela desde antes do impasse. A parceria com os russos complica a relação com os americanos. “Se parecesse que o Trump permitiu à Rússia estabelecer uma posição na América Latina, até mesmo os mais fervorosos apoiadores do presidente no Senado americano ficariam alarmados e o pressionariam a mostrar resistência”, afirma Consuelo Cruz, professora da universidade americana Tufts.

“PRESIDENTE” FORA DE CASA Na quinta-feira 28, Gauidó se encontrou com o presidente Jair Bolsonaro, no Brasil. O jovem político, de 35 anos, busca apoio para uma ofensiva militar internacional contra Maduro. Ele contrariou ordens da Justiça venezuelana de não deixar o país e não se sabe ainda como fará para voltar. Em reunião na segunda-feira 25, o Grupo de Lima, formado por países latino-americanos empenhados em resolver o impasse, rejeitou a hipótese de uma intervenção militar e reforçou a preferência por uma solução diplomática. Além do Brasil e de Guaidó, o encontro contou com a presença de Mike Pence, vice-presidente americano. Pence, como Trump, não descarta o uso da força para resolver o problema.

Sufocada: o alvo do embargo americano é a petroleira PDVSA (Crédito:Wil Riera/Bloomberg via Getty Images)

Desde o dia 22 de fevereiro, Maduro fechou as fronteiras e isolou a Venezuela. No fim de semana seguinte, comboios de ajuda internacional tentaram atravessar as fronteiras brasileira e colombiana, mas não tiveram sucesso. O exército venezuelano atirou contra civis que tentavam fazer a travessia, deixando 25 mortos, segundo uma autoridade venezuelana que fugiu para o Brasil. Mais de 300 soldados de Maduro desertaram.

Os militares brasileiros se colocam contra qualquer intervenção direta no país vizinho. “Eles acreditam que não há nada a ganhar com uma invasão da Venezuela”, afirma Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da FGV. “Existe chance de uma guerra civil na Venezuela e, pior que isso, de que grupos paramilitares maduristas partam para a violência caso ele caia. São cenários violentos e difíceis.” A fala de Hamilton Mourão, vice presidente brasileiro, ao fim do encontro, confirma o tom pacifista: “O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema.” Como o périplo de Guaidó demonstrou, deve levar algum tempo até que isso aconteça.


Sem luz

Diante do impasse político e social na Venezuela, Roraima, pode ter que lidar com problemas além do fluxo de refugiados que chega a Pacaraima. O estado é o de maior fronteira com o país e o único não conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN) de fornecimento de energia elétrica, ou seja, não recebe energia das hidrelétricas, parques eólicos e usinas que atendem o restante do Brasil. Depende, portanto, de duas formas de abastecimento: usinas termelétricas, movidas a diesel, e energia importada da Venezuela, através de sua companhia Corpoelec.

Historicamente, cerca de 80% da energia local vinha do país vizinho, com a utilização parcial das termelétricas. No entanto, desde o início da turbulência na Venezuela, o fornecimento tem sido periodicamente cortado. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2018, ocorreram 72 blecautes em Roraima, decorrentes de falhas na linha de transmissão da Venezuela. Isso fez com que as termelétricas fossem usadas com mais frequência O Ministério de Minas e Energia garante que o parque térmico atual tem 217 MW de geração disponível, suficiente para atender toda a carga da capital Boa Vista, sem depender da interligação com a Venezuela. E anunciou que um novo leilão, para contratação de mais fontes de energia – menos poluentes e mais baratas – está previsto para maio. A solução definitiva para o problema, porém, seria a construção da linha de transmissão Manaus-Boa Vista. Concedida em leilão em 2011, ainda está em obras e a Eletrobras Norte, responsável pelo abastecimento do estado, garante que somente no fim de 2021, tudo estará funcionando normalmente.