Por Leonardo Benassatto

SÃO PAULO (Reuters) – Apesar de a pandemia ter impulsionado o mercado de e-commerce no Brasil, muitas encomendas não chegavam a seus compradores nas periferias de grandes cidades por serem consideradas “áreas de risco”, o que levou um jovem morador de Paraisópolis a enxergar a necessidade de um serviço de entregas especializado, o Favela Brasil Xpress.

Givanildo Pereira Bastos, de 21 anos, conta que o projeto começou como uma rede de apoio durante a crise da Covid-19, devido à dificuldade em receber doações dentro da comunidade.

Com ruelas estreitas e irregulares, como um labirinto, alta densidade populacional e áreas consideradas inseguras, o acesso de não moradores a favelas torna-se difícil. Em muitos locais o CEP é bloqueado por aplicativos de entrega, impossibilitando que as encomendas cheguem na porta do consumidor de periferia.

“Eles bloqueiam essa região por considerar uma área de risco”, afirma o jovem, que desenvolveu uma logística capaz de solucionar o problema.

Ao efetuar uma compra por meio de uma plataforma de e-commerce parceira do Favela Xpress, caso o cliente pertença às chamadas “áreas de risco” para entrega, seu pedido é encaminhado para um centro de distribuição, onde as encomendas são separadas por setor, região e entregador para, enfim, chegar à residência do comprador.

Em Paraisópolis, os pedidos são transportados via carro, moto, bicicleta, tuk-tuk e até mesmo a pé.

“Comprar produto pela internet já virou hábito, por conta da pandemia, e a gente compra bastante pela internet, porém o produto não chega até nós”, disse Francisco Jefferson Silva, de 18 anos, que vive em Paraisópolis.

“Mas, ultimamente, a gente está conseguindo receber nossos produtos em casa. Eu mesmo dava o endereço da casa da patroa da minha mãe, quando minha mãe vinha do trabalho ela trazia para mim. Hoje dou o endereço da minha casa e número.”

DESAFIOS E GERAÇÃO DE RENDA

Além de viabilizar entregas, a iniciativa também gerou renda e empregos na região, uma vez que todos os entregadores moram na própria comunidade.

Atualmente, a empresa possui 90 funcionários e carrega projeções otimistas para os próximos meses, à medida que a tendência do comércio eletrônico prevalece no pós-pandemia.

No entanto, enviar produtos para determinadas localidades continua sendo um desafio, até mesmo para o Favela Brasil Xpress.

“Até eu tive dificuldade em conseguir entregar”, afirma Pereira, lembrando a vez em que, no início do empreendimento, demorou para achar a casa de um comerciante que aguardava há quatro meses o envio de uma máquina de cartão, cujo produto só chegou quando seu estabelecimento já havia fechado.

Lucas Reis, um dos entregadores do Favela Xpress, corrobora o discurso do jovem. “Era difícil (a encomenda) chegar na casa das pessoas”, disse.

Entre os empecilhos que afastam as empresas dessas regiões, de acordo com Pereira, estão: a dificuldade do sistema de navegação por satélite (GPS) de localizar as residências, a numeração desordenada e o preconceito, mas isso muda quando se conhece a periferia de perto.

“Quando eu trago uma empresa parceira para estar dentro da comunidade, e mostrar o que de fato é aquela realidade, que tem um potencial de consumo, que tem pessoas morando ali onde pode ser gerado trabalho e renda, ela vem e sai daqui com outro olhar”, afirma.

Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, possui mais de 100 mil habitantes e é a segunda maior favela da cidade. A região conta com 650 presidentes de rua que integram o projeto, lideranças que monitoram e assistem às casas ao redor, com um total de 38 mil famílias mapeadas.

CONSUMO NA PERIFERIA

Atualmente, Paraisópolis opera como base modelo do Favela Brasil Xpress, com outras bases em Heliópolis, Diadema, Capão Redondo e Cidade Júlia, no Estado de São Paulo; Rocinha e Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro; e Betim, em Minas Gerais, com planos de expansão.

Em janeiro, o projeto participou de um desafio de logística urbana promovido pelo consulado britânico no Brasil e venceu em 1º lugar entre 40 empresas como ideia inovadora, sustentável e social.

“A gente não tinha noção de quanto os moradores de favelas consomem dentro do e-commerce”, disse. “Só em Paraisópolis, hoje, chegam uma média de 800 entregas por dia. Essa carga, em valor, representa em torno de 500 mil reais, ou seja, 500 mil reais que entram por dia de mercadoria que é consumida pelos moradores.”

Segundo Pereira, em menos de quatro meses, cerca de 50 milhões de reais em valor de carga entraram na comunidade.

“A gente não quer viver dois ‘Brasis’, um que tem o CEP bloqueado e outro desbloqueado, a gente quer viver em um Brasil só, onde o morador de favela tem o mesmo direito que um morador de bairro nobre.”

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(Reportagem adicional de Patrícia Vilas Boas)

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