O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o presidente Jair Bolsonaro preste depoimento pessoalmente no inquérito que apura se ele interferiu na Polícia Federal para proteger sua família. Com a decisão, Bolsonaro é o primeiro ocupante do cargo mais alto da República, desde a redemocratização, a ser obrigado a depor de forma presencial em uma investigação. O Palácio do Planalto avalia recorrer da decisão, numa estratégia para ganhar tempo, uma vez que o decano da Corte se aposenta em novembro.

O inquérito foi aberto em abril após o então ministro da Justiça Sérgio Moro pedir demissão acusando Bolsonaro de ingerência política na PF. Mello não adotou, porém, o procedimento sugerido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para quem o presidente poderia se manifestar por escrito. Em 2017, o então presidente Michel Temer, por exemplo, foi autorizado pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso a se defender desta forma no inquérito dos portos, que apurava o favorecimento a empresas em troca de propina.

A dois meses de deixar o Supremo, Mello destacou, porém, que a possibilidade de depoimento por escrito é uma prerrogativa de presidentes apenas nos casos em que eles são testemunhas. Mas não quando são investigados, como é o caso de Bolsonaro. Relator do inquérito, o decano também autorizou Moro a enviar perguntas ao presidente. Os questionamentos deverão ser feitos por meio dos advogados do ex-ministro.

O Estadão apurou que a tendência da PF é optar por ouvir o presidente no Palácio do Planalto, como ocorreu no testemunho de ministros do governo na mesma investigação. Contudo, há a possibilidade de o depoimento ser tomado por videoconferência, conforme antecipou a Coluna do Estadão.

Planalto

O despacho do magistrado irritou Bolsonaro e, no Palácio do Planalto, foi considerado como sendo “de cunho político”. Mesmo assim, o presidente foi aconselhado a não reagir nem comentar o assunto em entrevistas, para não criar nova crise com o Judiciário. No fim da tarde de ontem, ao chegar de uma viagem à Bahia, Bolsonaro convocou uma reunião, no Planalto, com o advogado-geral da União, José Levi. Ele também conversou com os ministros André Luiz Mendonça (Justiça) e Jorge Oliveira (Secretaria Geral).

A avaliação é de que ao apresentar um recurso, além de ganhar mais tempo, a decisão poderia ser tomada pelo plenário do STF, formado pelos 11 integrantes da Corte e não por um único ministro. Se for pautado após novembro, Celso não participará do julgamento.

Embora ontem não tenha se pronunciado publicamente sobre o assunto, Bolsonaro já chegou a dizer que acreditava no arquivamento do inquérito. A declaração foi dada em junho, quando ele afirmou que não via problema em prestar depoimento pessoalmente.

“Eu acho que esse inquérito que está na mão do senhor Celso de Mello vai ser arquivado. A PF vai me ouvir, estão decidindo se vai ser presencial ou por escrito, para mim tanto faz. O cara, por escrito, eu sei que ele tem segurança enorme na resposta porque não vai titubear. Ao vivo pode titubear, mas eu não estou preocupado com isso. Posso conversar presencialmente com a Polícia Federal, sem problema nenhum”, observou Bolsonaro, naquela ocasião.

Moro também é investigado no inquérito, aberto a pedido de Aras. O ex-juiz da Lava Jato foi o primeiro a prestar depoimento, revelando as declarações de Bolsonaro na reunião ministerial do dia 22 de abril. A gravação se tornou peça-chave do caso e também foi divulgada por ordem de Mello.

Na prática, o depoimento de Bolsonaro é uma das últimas etapas da investigação. Caberá à PF indicar se houve ou não crime na conduta do presidente. Em seguida, a Procuradoria-Geral da República decidirá se o denuncia ou se arquiva o inquérito. Caso Aras opte pela denúncia, ainda será preciso aval da Câmara para que o processo siga em frente – são necessários os votos de 242 dos 513 deputados para autorizar a análise da denúncia pelo Supremo. S e Bolsonaro se tornar réu, ele é afastado do cargo por seis meses até que se decida por sua condenação ou absolvição.

Nos bastidores da PF e da PGR, no entanto, a expectativa é de que o caso seja arquivado por falta de provas. Em conversas reservadas, investigadores dizem ser difícil comprovar as alegações feitas por Moro.