“Imagine um menino de 14 anos, na porta de uma boca de fumo, na favela”, afirma Celso Athayde, fundador da Favela Holding (FHolding). “Ele está lá para vender maconha. Agora, imagine que vem um casal de pessoas brancas, num carro importado, querendo comprar a droga. Então, a polícia chega. O casal, provavelmente, será liberado. Usuários. Já o menino irá assinar um Artigo 12 (tráfico de drogas). Crime hediondo. O facínora que está corrompendo a sociedade é o menino pobre, não o casal rico”, prossegue.

Essa lógica distorcida, que transforma a pobreza em crime e a riqueza em salvo conduto, é fruto de séculos de desigualdade social. Mas há um motivo mais relevante. “A periferia não está perdendo o jogo. Ela nem está jogando”, diz Athayde. “As leis são feitas pelo asfalto, não pelo morro. Portanto, seguem a racionalidade do asfalto.” Sem representatividade em todas as esferas da sociedade, tanto econômicas quanto políticas, é muito difícil para pobres e favelados mudarem essa realidade. Mas há esperança.

O trabalho de Athayde é criar as condições para que os menos favorecidos sejam representados. Tenham voz. Isso passa, principalmente, pelo capital. “É muito caro se organizar”, diz ele. Foi nesse espírito de “empoderamento financeiro” que Athayde, nascido e criado em favelas do Rio de Janeiro e ex-morador de rua, fundou a Favela Holding. Trata-se de um conglomerado de empresas focado no gigante mercado das periferias. Pelos seus cálculos, é um universo que movimenta mais de R$ 1,6 trilhão por ano no País. Considerando apenas os moradores das favelas, chega-se a um potencial de consumo de R$ 70,2 bilhões, massa de renda superior ao consumo total de países como Paraguai e Bolívia.

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A FHolding é o braço empresarial de um projeto mais antigo de Athayde, a Central Única das Favelas (Cufa), organização social criada há 20 anos por ele e pelo rapper MV Bill. A Cufa hoje está presente em 412 cidades, com um total de colaboradores superior a 1,5 milhão de pessoas. Já a Favela Holding concentra 21 companhias, de setores diversos. A Favela Vai Voando vende passagens aéreas e pacotes turísticos. A CUFA Card oferece cartões de débito aos consumidores e maquininhas aos comerciantes.

Há, ainda, uma produtora musical, um instituto de pesquisas, uma agência de publicidade e até uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), a Favela Shopping, cujo objetivo é criar complexos de lojas e revitalizar os comércios locais. Athayde não revela o faturamento da FHolding. A lógica por trás desses empreendimentos é fazer com que o dinheiro da periferia fique na periferia, desenvolvendo econômica e socialmente as regiões mais carentes do Brasil. São nesses lugares, por sinal, que mora a maioria dos negros e pardos do País. Um universo que concentra mais da metade da população. Gente, muitas vezes, sem oportunidade. Mas empreendedora.

De acordo com dados do Data Favela, a empresa de pesquisas da holding, 28% dos moradores das comunidades têm intenção de abrir o próprio negócio. Desses, 59% esperam empreender dentro da favela. Essa inquietação laboriosa é a força por trás do maior empreendimento da FHolding: a Favela Distribuições (FADIs). A empresa é responsável por distribuir produtos de gigantes, como P&G, Natura e Tim. O empreendimento está intimamente ligado a outro projeto da holding, o Recomeço, um programa de ressocialização de egressos do sistema prisional. Os ex-detentos compõem a principal força de vendas da distribuidora.

O próximo passo de Athayde é conquistar a política. Ele não tem nenhuma pretensão de se candidatar, mas ajudou a criar um partido, o Frente Favela Brasil. No final de agosto, o empresário e alguns de seus sócios, entre eles MV Bill, protocolaram o pedido de registro da legenda no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o aval do tribunal, o Frente Favela Brasil terá de conseguir cerca de 485 mil assinaturas para ratificar seu nascimento. Não deve ser difícil, já que a Cufa, sozinha, reúne 1,5 milhão de apoiadores.

Assim, o ciclo revolucionário idealizado por Athayde estará se fechando. Com o capital, a periferia e se organiza. Fortalecido, o morro tem força para definir seus caminhos, dividindo o poder com o asfalto. Se é esquerda ou direita, não é relevante. O importante é participar do processo. “Não tenho medo de errar”, diz o empresário. “Também não sei se vou conseguir unir as periferias. Mas ninguém poderá dizer que faltou opção. O que eu quero é sentar à mesa de negociação.”


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